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Crochê, bordado e artesanato vão da terapia à profissão de quarentena
Com reportagem de Viviane Lima e edição de Stefanni Mota, especial para o blog Mulherias
Perdemos muito com quase um ano de pandemia. Mas ganhamos novos olhares para o mundo, para si, para a própria casa e talentos que não tinham vez na agenda. Não por acaso, artesanato virou assunto que bombou nas redes e tutoriais de "faça você mesma" de máscaras caseiras foram responsáveis por um verdadeiro boom no YouTube e Tik Tok. Além da costura, o sucesso do crochê, bordado e artes manuais em geral apontam para a valorização de antigos saberes que, desde que o mundo é mundo, são atividades terapêuticas e oportunidade de renda para mulheres.
A artista Karina Furtado, de 37 anos, tem o bordado como um canal de expressão de sentimentos e ao longo da quarentena esteve imersa em linhas e agulhas para manter a saúde mental (e as contas pagas) durante um processo de divórcio. A professora Carolina Monteiro, de 42, que aprendeu a bordar e a crochetar com as avós, tirou a poeira das agulhas também à procura de bem-estar no isolamento social. Julia Dutra, de 40 e também educadora, se reinventou profissionalmente quando passou a dedicar mais tempo ao artesanato com reciclados. Seu canal do YouTube, aliás, extrapolou as salas de aula e hoje encanta pais de alunos interessados em conhecer as histórias que existem por trás das artes populares brasileiras.
Conheça as histórias das três mulheres que, manualmente, aproveitaram o confinamento para criar arte e também reinventar as próprias vidas, memórias e potenciais.
Karina, a bordadeira da liberdade
"Eu estava muito cansada, a pandemia rolando, aulas remotas, a minha faculdade à distância. O isolamento social trouxe reflexões, entre eles o fato de eu e meu ex estarmos empurrando uma situação sem transparência e diálogo", conta a artista Karina. Embora o término tenha sido amigável, por questões financeiras ela teve que se manter na mesma casa que o ex-companheiro até janeiro deste ano, quando para outro bairro da periferia da Zona Sul.
"O fazer manual me traz beleza, me ajuda com a ansiedade e dá leveza", conta a bordadeira. "Nesse momento da vida, nunca produzi tanto por encomendas e isso também me fez ter contato com outras mulheres também. Foi uma experiência libertadora porque pude me avaliar, me fortalecer, entender certas situações e conhecer outras histórias", completa Karina, que aprendeu a bordar em 2016, com vizinhas. "Já naquela época dividíamos as angústias do dia a dia enquanto eu aprendia".
Karina defende que "mulheres-aprendizes se tornem mulheres-professoras" da técnica de bordado livre. Já teve essa experiência em 2019, em oficinas que promoveu em rodas de conversas para mulheres. Temas como lar, maternidade, emprego e relacionamentos sempre estavam presentes. Hoje, ela mantém uma página no Instagram, por onde recebe encomendas e aguarda o dia em que voltará a ensinar pessoalmente. Até lá, sabe que o bordado é a sua melhor arma contra os impulsos ansiosos.
Carolina e o carinho de suas avós
Em 2010, quando teve depressão pela primeira vez, a professora Carolina Monteiro, moradora do Rio de Janeiro, tirou a poeira das agulhas e voltou a fazer crochê como terapia. O retorno às práticas manuais também aconteceu agora quando ela se viu trancada em casa na pandemia.
Carolina aproveitou o tempo maior com a filha, Maria Manuela, de 15 anos, para ensinar os primeiros pontos e, nesse processo, lembrou do próprio aprendizado de artes manuais na infância. "Eu catava do chão as miçangas que caíam dos bordados da minha avó materna. Ela fazia aplicações em vestidos de noivas e, eu, nas roupas das minhas bonecas." Da avó paterna, Guilô. Carolina carrega as técnicas do crochê e da costura. "À tarde, depois da aula e das tarefas, a gente sentava no sofá, ligava a TV, pegava a agulha e começava... Passávamos a tarde lá e a conversava esticava sobre a novela, jornal, escola, família, desenho. Eu amava!".
Hoje, enquanto crocheta, Carolina se sente bem, em paz. "Escolher linhas, cores, pontos e o que fazer é como um diálogo com essas mulheres, isso me traz conforto", diz, enquanto organiza um futuro perfil no Instagram para divulgar e vender as peças feitas em parceria. O nome, claro, é faz homenagem à avó: @guiloacessorios.
Julia, a professora do encantamento
Antes da pandemia a professora de artes Julia Dutra, da rede pública do Rio de Janeiro, trabalhava em três escolas, nos turnos da manhã, tarde e noite. "O mundo moderno e capitalista nos engole, bombardeia com tarefas, informações, afazeres e exigências, principalmente para nós, mulheres, que temos o estigma de carregar o mundo nas costas", desabafa.
Obrigada a dar aulas online, reduziu a carga de trabalho e encontrou tempo para se dedicar ao artesanato. Sem perceber, a atividade começou a consumir de quatro a seis horas por dia. Julia deu novo uso a materiais que estavam à mão. Do lixo surgiram brincos, pinturas e móveis feitos com paletes.
A artista criou o "Arte com a Julia", canal no YouTube. Na rede, ela divulga seu trabalho como artesã e aproveita a ferramenta para suas aulas. "Foi um sucesso, minhas oficinas envolveram os familiares deles, como se fosse uma terapia."
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