Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
"Nunca pergunte qual é a 'tribo' de um indígena", diz socióloga Fulni-ô
*Com reportagem de Ariane Silva, especial para o blog MULHERIAS
Patrícia Rodrigues é indígena do povo Fulni-ô. Formada em ciências sociais pela USP (Universidade de São Paulo), é militante há 25 anos não só pela causa indígena, mas também pelo direito à moradia, saneamento, saúde e educação. Moradora da capital paulista, ela não faz parte de nenhuma "tribo" e explica: "o termo é usado para reforçar o papel do indígena como um selvagem. Eu não tenho 'tribo', eu tenho um território, em Pernambuco, onde fica a minha aldeia".
E são os territórios, justamente, os principais motivos de conflitos que afetam a população indígena. O direito a eles, garantido pela Constituição, só é efetivado com as demarcações — que já vinham desacelerando desde o governo de Dilma Rousseff (PT) — e, agora com Jair Bolsonaro (sem partido) na Presidência, praticamente pararam.
Assassinatos de indígenas aumentaram 150% só no primeiro ano do governo atual e, neste mês, a Câmara dos Deputados aprovou o fim do licenciamento ambiental no Brasil, impactando diretamente os povos tradicionais. "A gente está vivendo uma conjuntura bastante extrema com a pandemia. Passou abril, mês da visibilidade indígena, mas a luta não pode parar. Respeito, reconhecimento e tradição são assunto para o ano inteiro."
A seguir, Pagu fala sobre a luta indígena no Brasil.
"A gente não deixa de ser indígena porque ocupa universidade ou trabalha"
"É importante desconstruir essa visão de que somos homogêneos, que é reforçada até nas escolas, na forma como a gente conta a história da população indígena no Brasil. Nós temos 305 etnias no nosso país, que falam mais de 200 línguas e têm tradições e territórios diferentes. A gente também ocupa a cidade, a universidade, a política, os espaços profissionais. A gente não tá só ali na aldeia, como todo mundo imagina, vivendo lá na Amazônia.
É preciso mudar a forma como a sociedade se refere à população indígena. A gente não se reconhece pelo termo 'índio', que foi dado para nomear a gente lá em 1500, a partir do pensamento colonial de que a gente era um grupo sem alma e sem fé.
Nos reconhecemos como 'indígenas', que são aqueles que vêm da terra. Mais que isso, aliás, a gente se reconhece pelo termo 'povos originários', porque estamos nesse território que é conhecido como América Latina, como Brasil, desde a origem.
Muitas pessoas me perguntam 'qual é a sua tribo?' Sempre respondo que não tenho tribo, que moramos num território onde há uma aldeia. Além de reafirmar que não somos selvagens tribais, o termo 'território', que representa o espaço geográfico onde vivemos, também confere respeito. As pessoas moram no campo, na cidade, e nós, na aldeia, que só vale para um território reconhecidamente indígena. Ao repensar o nosso vocabulário, obrigamos a sociedade a repensar como trata e retrata a população indígena.
"O respeito aos indígenas tem que acontecer na prática, não só no discurso"
Essa discussão toda precisa ser praticada, né? A sociedade precisa aprender a lidar com a presença indígena em diferentes espaços e os governos devem construir políticas e efetivar os direitos da população indígena como garante a constituição. Falo de políticas de reparação histórica, como cotas para indígenas no serviço público, na disputa da política no parlamento ou no Poder Executivo. São ações de reconhecimento pela importância negada aos indígenas. E é importante também reconhecer que somos diversos, somos também biólogos, advogados, historiadores, médicos, e merecemos respeito profissional como qualquer cidadão. Apoiar a luta indígena significa agir, na prática, no dia a dia.
A gente entende que as pessoas não foram educadas para isso. A história oficial não reconhece, por exemplo, que a população indígena foi escravizada e vítima de um genocídio, ou seja, do assassinato em massa que foi feito aqui no território das Américas e matou 75 milhões de indígenas.
Muitas vezes, somos retratados na história como se a gente fosse só o bom selvagem que estava ali. Canibais sem nenhum tipo de inteligência ou formulação de saber, sem alma. Para quebrar essas noções, a visibilidade indígena precisa ir muito além de apenas um mês ou um dia em abril.
Por isso, é um ato político falar que não venho de uma tribo e que faço parte de um território e uma aldeia. Porque os Fulni-ô têm, sim, um território que já deveria estar demarcado desde 2010 e que ainda é uma reserva indígena de uma cidade, Águas Belas, em Pernambuco, de 36 mil habitantes. Essa cidade que, na realidade, se construiu em cima do território original indígena."
Quer saber mais sobre Pagu? Assista ao vídeo sobre o resgate de suas origens fulni-ô:
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.