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Como o veto de Bolsonaro a Nise se relaciona com a morte de Genivaldo?
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Chutes na cabeça, empurrões, sufocamento dentro do porta-malas de um carro. No mesmo dia em que Bolsonaro vetou uma homenagem à psiquiatra brasileira Nise da Silveira, essa sequência cruel e absurda de eventos levou à morte Genivaldo de Jesus Santos, de 43 anos.
Dois acontecimentos sem nenhuma relação aparente um com o outro, mas com um fundamento em comum: o despreparo de nosso país para lidar com as pessoas portadoras de doenças psiquiátricas. Despreparo que resulta em violência e que, como vimos, pode resultar em morte.
Nise da Silveira (1905-1999) é internacionalmente reconhecida por ter pesquisado e transformado a maneira de tratar seus clientes, em sua maioria pessoas com quadros psicóticos, os chamados loucos.
Na época de Nise e até não muito tempo atrás, os portadores desse tipo de doença eram costumeiramente despejados em manicômios e sujeitos a contenções mecânicas e químicas pouco criteriosas. Ela percebeu, já em 1946, quando criou a Seção de Terapia Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro, que a arte era terapêutica e que podia oferecer resultados até melhores que aqueles obtidos pelos métodos então tradicionais.
Seu legado é significativo até hoje, mais de vinte anos depois de sua morte; Nise da Silveira via a pessoa, e não apenas a doença; e via uma pessoa que poderia se expressar apesar do sintoma ou mesmo através dele, amenizando o sofrimento que vinha resultando dos delírios, das alucinações e da solidão abissal que caracteriza aqueles quadros.
Genivaldo era portador de esquizofrenia, um dos tipos de loucura dos quais Nise da Silveira transformou o jeito de cuidar. A abordagem policial, segundo diz um informe dos próprios agentes federais, o deixou agressivo. Polícia alguma deveria jamais se sentir autorizada a agir violentamente sem que isso seja absoluta e evidentemente necessário, e muito menos diante de alguém cuja agressividade resulta de um sintoma psiquiátrico.
Agitação psicomotora por transtorno mental pede medidas de saúde, e não medidas policiais. Isso deveria ser óbvio. A arte não é uma alternativa para uma abordagem policial, não é disso que se trata; nem os policiais deveriam ser capazes de fazer um diagnóstico psiquiátrico, mas sim de encaminhar a um serviço que o faça, seja esse o caso. Mas Genivaldo era, além de esquizofrênico, preto e pobre, um diagnóstico que a polícia sabe fazer cotidianamente muito bem.
Deveria ser óbvio, também, que Nise da Silveira é alguém digno de homenagem, e não só isso: que ampliar a circulação de seu nome e de seu legado poderia dar ensejo a abordagens dignas para pessoas com diagnósticos psiquiátricos, seja dentro dos hospitais, seja nas ruas. "Aprendi muito com os loucos e isto vem atrapalhar um pouco o conceito de razão. Fala-se na fonte da sabedoria e na fonte da loucura.", diz ela. "Mas elas não são duas."
Neste nosso país, um país que vem sendo criteriosamente destruído em nome de interesses de poucos por quem o deveria governar, precisamos reaprender e resguardar o óbvio. E deixar claro que o legado de cuidado e consideração ao outro deixado por Nise da Silveira é a antítese daquele que nosso terrível presidente nos inflige diariamente.
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