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Antropoceno: escritora debate impacto da ação humana sobre o planeta Terra
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Antropoceno: a era geológica da humanidade. Pode soar bonito, mas o conceito, na verdade, ressalta o impacto que a ação humana tem sobre o planeta Terra, impacto tão grande que ameaça a sobrevivência da própria espécie. Há alguns anos, o termo poderia ressoar de longe, algo a constar nos livros de geografia apenas, preocupação de especialistas, alheia à vida cotidiana, quando muito numa notícia longínqua de jornal. Mas as chuvas, queimadas, variações de temperatura e previsões para o futuro têm impactado diretamente nossos dias.
Vem em muito boa hora a coletânea de ensaios organizada por Fabiane Secches, "Depois do fim: conversas sobre literatura e antropoceno", lançada este mês pela editora Instante e que conta com textos de autores como Giovana Madalosso, Micheliny Verunschk e Itamar Vieira Júnior.
A começar pelo título, pois a notícia do assassinato brutal do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, que estarreceu o mundo na última semana, além de ter relação íntima com o assunto, parece, sim, confirmar que há algo na humanidade que já terminou.
Fabiane Secches é psicanalista, crítica literária e doutoranda em literatura pela USP, além de uma amiga muito próxima, com intimidade suficiente para não me deixar recusar o convite para participar da coletânea com um ensaio.
Sua preocupação com as questões do antropoceno vem de longa data e motivaram sua opção pelo veganismo há mais de uma década. O livro é fruto de seu olhar para as principais demandas de nosso tempo; não à toa, a maioria das colaboradoras é mulher, assim como das envolvidas nas várias etapas de confecção do livro.
A seguir, conversamos sobre o papel da literatura e da arte num mundo em deterioração, sobre perdas e as possibilidades para depois do fim.
Na apresentação do livro, você traz o discurso da escritora Olga Tokarczuk por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel, em que ela considera a literatura "a esperança de uma ponte que pode ser construída". Para você, a literatura pode transformar o mundo?
É um tema delicado, porque tenho muito receio de tomar a literatura de forma utilitária, como se precisasse ter outras funções além da própria. O nosso mundo neoliberal pretende atribuir a tudo um sentido de utilidade e a arte deve resistir a essa pressão o quanto for possível.
Mas concordo com a afirmação de Tokarczuk: a literatura, assim como o cinema, a fotografia, a música e outras formas de arte, podem nos ajudar a construir pontes com outros mundos, que não teríamos visitado de outra maneira. A leitura de uma obra literária muitas vezes nos propõe um exercício de alteridade radical e, nesse sentido, pode expandir horizontes internos e externos.
O título do livro, Depois do fim, consegue ser ao mesmo tempo pessimista e otimista. Ele me fez lembrar de uma fala recente de Caetano Veloso: "Minhas expectativas otimistas sobre o Brasil não são tanto a esperança. São mais a responsabilidade." Você considera que a antologia, relacionando questões tão urgentes com a literatura, pode ter uma penetração maior?
Gostei muito da associação que você fez. Concordo com a distinção que Caetano faz entre esperança e responsabilidade. Um otimismo que significa implicação, esse nos interessa. Acho que essa ideia está bem afinada com a proposta do livro, ao menos de como o idealizamos: como um convite para leitura, reflexão e, quem sabe, transformação. Também gostei do seu comentário sobre a ambivalência do título, Depois do fim, e acho que é por aí: como podemos pensar em um novo começo?
Adoraria ver esses ensaios reverberando, sendo lidos e discutidos, porque acredito na importância de pensar e de debater sobre esses temas. Faremos também alguns eventos de lançamento agora em julho, com debates entre autores da antologia, que serão sempre abertos e gratuitos. E espero que, em breve, o livro esteja disponível em bibliotecas públicas, para que seja mais acessível, alcançando mais pessoas.
Estamos coletivamente dessensibilizados diante do excesso de informação a que somos submetidos -- e de informações pesadas, difíceis de acomodar, como o número de mortos na pandemia, o aumento significativo de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no Brasil, as guerras internacionais e também as nacionais. Estamos tão expostos à deterioração do mundo, da dignidade humana, do respeito à vida, que vamos criando defesas para sobreviver e encontrar algum sentido na jornada. Talvez a arte, campo do qual a literatura faz parte, possa ajudar a recuperar algo da nossa humanidade, da nossa capacidade de indignação e da nossa criatividade para assim buscar outras formas de estar no mundo. Temos muito o que aprender com os povos originários, por exemplo.
Você atualmente estuda a obra de Olga Tokarczuk, sobre quem é o ensaio com que você contribui como autora para a antologia. Qual a especificidade de sua literatura e de sua postura como autora? Há alguma semelhança ou alguma diferença significativa, que possa iluminar a obra de cada uma, entre ela e Elena Ferrante, seu objeto de estudo no mestrado que deu origem ao livro Elena Ferrante - Uma longa experiência de ausência?
Quando eu li o romance Sobre os ossos dos mortos, fiquei profundamente envolvida e passei a buscar mais sobre a autora e sua obra. Embora Tokarczuk e Ferrante tenham estilos bem distintos, ambas são autoras contemporâneas que mergulham com profundidade em questões urgentes. Ambas falam de violência e de exploração, de uma fé cega na ideia de progresso, de uma corrupção generalizada que perpassa a cultura ocidental. Ferrante faz isso principalmente na tetralogia napolitana, nas entrevistas que concede, sempre por escrito, e em outros textos.
Eu precisaria de muitas linhas para tentar demonstrar o que pode existir em comum entre elas, e de muitas outras mais para falar das diferenças, então o que gostaria de reforçar é que são duas autoras que merecem ser lidas e discutidas com seriedade.
Você publicou recentemente um conto muito bonito, que inclusive aborda a relação entre humanos e animais. Você tem planos de seguir com a escrita de ficção?
É um conto antigo, que foi publicado pela revista Cult no mês passado. Eu escrevo ficção desde muito cedo. Minha avó materna, Dalva, morreu há poucos dias e sinto que foi com ela que tudo começou.
Minha avó não pode continuar os estudos, o que sempre foi uma frustração para ela, mas era uma mulher brilhante, muito interessada na vida e uma ótima contadora de histórias. Quando estávamos desmontando a casa em que ela viveu nos últimos anos, encontrei uma caixa em que ela guardava muitos textos meus.
O mais antigo era um conto que escrevi aos oito anos. Escrever é algo que me define, que me constitui, é uma forma que encontrei de estar no mundo e de me relacionar com ele.
Então, sim, acho que vou escrever — inclusive ficção — enquanto estiver aqui. Quanto a publicar, é outra conversa. A maior parte foi para a gaveta e quero que continue por lá. Tenho carinho por esses textos, pelos caminhos que pude percorrer enquanto os escrevia.
Ao mesmo tempo, tenho consciência de que algumas dessas experiências têm mais valor afetivo do que literário, e devem permanecer onde estão. Já outras, quem sabe? Pode ser que de vez em quando eu me autorize a compartilhar algo, como aconteceu dessa vez.
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