Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Como dar conta de tantas notícias ruins? Um manual para lidar com o Brasil
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Gostaria de poder oferecer um manual para suportar os tempos. Para o desânimo, o desalento, a tristeza. Um manual para resistir, ou pelo menos para esquecer; momentaneamente, que seja.
Um manual para lidar com as más notícias, com as mortes cotidianas, com as mandadas por motivos políticos. Um manual para lidar com a sensação de que o Brasil está irremediavelmente perdido, com a terrível suspeita de que temos chance, com as eleições, de apenas retardar nosso fim definitivo enquanto país, depois que condescendemos em silêncio com tantos absurdos, ou no máximo reclamamos deles em nossas redes sociais.
Uma lista de maneiras para driblar o pessimismo: desviar os olhos do desmantelamento das instituições, ignorar a sensação de impotência, olvidar os hectares virando pasto, o garimpo, a pesca ilegal, a pobreza.
Gostaria que esse manual fosse abrangente: que servisse não só para o Brasil, mas para o mundo. Que aliviasse não apenas as dores pelo presente, mas também pelo futuro. Que fosse capaz de fazer derreter as notícias sobre o derretimento de uma pista do aeroporto do Reino Unido pelo calor; que fosse capaz de barrar os termômetros, a fumaça, as previsões.
Que fizesse vista grossa para o apocalipse climático em curso; que me fizesse parar de cantar mentalmente "how do we sleep while our beds are burning?", na voz do vocalista do Midnight Oil ou na de Patti Smith.
Gostaria de oferecer um manual que ensinasse jeitos de olhar para as crianças sem pesar, sem que estivesse embutida uma premência para pedir desculpas. Desculpem por termos falhado, crianças. Desculpem por entregarmos a vocês um mundo condenado.
Gostaria que houvesse uma saída do outro lado da desesperança.
Gostaria que as pequenas alegrias cotidianas pudessem acolchoar o baque. Que a rotina mantivesse a capacidade de nos iludir; que a ficção continuasse sendo o único lugar da distopia.
Gostaria de poder dizer que as redes sociais são um lugar de encontro, não uma engrenagem que desmantela nossa capacidade crítica. Gostaria apenas de dizer: deponham os celulares, as armas são outras. Ah, se fosse possível se embrenhar em feeds, linhas do tempo, stories e tuítes e sair deles uma pessoa melhor, com mais conhecimento, menos inveja, isento de demandas que não pertencem a cada um.
Gostaria que fosse possível gritar. Que se pudesse ao menos chorar em paz, sem a sensação de que a vida virou ou um teatro, ou um manancial de diagnósticos. Gostaria de ter fé, seja na religião, seja na arte, seja na ciência. Gostaria que as palavras tivessem algum poder.
Mas talvez eu só consiga dizer o óbvio: para aguentar as notícias, é preciso fugir um pouco delas. É preciso olhar em volta, olhar nos olhos das pessoas, levantá-los das telas um pouco. É preciso dançar, é preciso correr, é preciso suportar que ainda haja beleza, e se agarrar com força aos seus fiapos.
Para suportar as notícias, é preciso abraçar, e se deixar demorar no abraço. É preciso ler, e se esquecer de si na ficção. É preciso gargalhar, é necessário olhar o dia caindo e o dia nascendo; é preciso fechar os olhos para sentir melhor um sabor novo, e ainda mais um sabor antigo, já conhecido de outros tempos.
É preciso admitir a saudade da infância, da inocência, do futuro que tínhamos e perdemos; é preciso dormir, porque é preciso sonhar.
Porque talvez seja mesmo tempo de desesperança, tempo de acolher a tristeza. Um tempo curto, aquele entre uma respiração e outra, um átimo em que nos permitamos olhar de frente o abismo, saber de sua existência, para então, de novo, com a alegria da primavera (que ressuscita do impossível), seguir adiante.
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