Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ver o invisível: uma Flip histórica
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"Fazia tempo que eu não vibrava assim", me escreveu Luciana Araujo Marques, passado o primeiro impacto da notícia da vinda de Annie Ernaux à Flip. Vínhamos trocando sobre a escritora de 82 anos e sobre seu projeto literário autobiográfico há algum tempo, cultivando o lugar de um maravilhamento em comum, pois apesar de a literatura se apreciar, na maior parte das vezes, solitariamente, também pode ser ocasião de belos encontros.
Foi lendo a mensagem de Luciana que percebi que eu mesma estava taquicárdica, e que sorria. Não só pelo vislumbre da presença de Annie Ernaux: também por saber que é com Veronica Stigger e sua escrita perturbadora que ela vai conversar, e que estarão em Paraty além delas Cida Pedrosa, Prisca Agustoni, Amara Moira e Carol Bensimon, compondo uma programação em que predominam as mulheres (25 confirmadas contra nove homens, segundo contagem de Walter Porto; duas delas, mulheres trans); também por saber que a homenageada este ano será Maria Firmina dos Reis, que escreveu o primeiro romance publicado no Brasil, mulher negra, cujos versos nomeiam cada uma das mesas da festa literária, e cujas narrativas têm inspirado, segundo a curadoria, "imagens e abordagens de um Brasil real e ficcional que atravessa duzentos anos de uma independência controversa."
Mas os motivos da alegria não param por aí. A primorosa curadoria de Fernanda Bastos, Milena Britto e Pedro Meira Monteiro leva à Flip de 2022 Benjamin Labatut, Ricardo Aleixo e Ricardo Lísias; Cecilia Pavon, Allan da Rosa e Eduardo Sterzi; a primorosa curadoria traz Camila Sosa Villada do potente Parque das irmãs magníficas, e coloca frente a frente (a taquicardia se intensifica) Nastassja Martin e Tamara Klink, Nastassja do assombroso Escute as feras, Tamara sobre quem pensei em escrever uma coluna esta semana mesmo —um dos tantos textos que escrevo mentalmente e que jamais chegam a existir.
Um pequeno parêntesis sobre os devaneios que não chegaram a se tornar texto: fiquei fissurada pelo vídeo que Tamara postou em suas redes sociais cantarolando a música que compôs com Julio Secchin, "Velocidade Dois", que versa sobre um relacionamento de gestos não tão recíprocos. Parte do motivo de eu assistir em looping era a pergunta, quase um enigma: como alguém ousa não corresponder ao amor de Tamara Klink, essa mulher que singra oceanos, essa mulher maravilha, essa combinação singular de inteligência e beleza? Pensei em Mirela, a protagonista de "Copo Vazio", e é boa a sensação, tão rara, de querer subitamente escrever o que já escrevemos.
Verei de perto Tamara, verei de perto Nastassja, escutarei, viva, Annie Ernaux diante de mim. Celebrarei a literatura de Maria Firmina dos Reis e tudo o que ela inaugurou. Testemunharei mais uma confirmação do que tem se mostrado nas estantes, nos prêmios, nos debates: a ocupação do campo literário pelas mulheres. Como é bom vibrar, e vibrar pela literatura. Viva a Flip. Será histórico.
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