Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Exaustão eleitoral: vale a pena discutir?
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Acabo de sair de mais um grupo de WhatsApp. A exaustão e a cabeça latejante dificultam que eu pense; a torrente de ideias perturba meu sono. Percebo-me dividida entre o pavor com as eleições, que desemboca na necessidade de convencer as pessoas do óbvio, o esgotamento e a frustração.
Desconfio que esse esgotamento e essa frustração ultrapassem aqueles direcionados às pessoas de quem eu gostava, com quem trocava, se não de forma profunda, ao menos leve nesses mesmos grupos; desconfio que essas sensações permeiem algo maior, algo que diz respeito ao nosso tempo.
Kant, em "Resposta à Pergunta: O Que É O Iluminismo?", publicado pela primeira vez no longínquo ano de 1784, propõe que o uso do espaço público orientado pela razão é que permitiria às pessoas fazer as próprias escolhas e se responsabilizar por elas. Não é muito difícil concluir, do que estamos vivenciando no período eleitoral de 2022 no Brasil (mas também pelo menos desde 2013), que razão, escolha e responsabilidade não têm sido princípios lá muito empregados.
A torrente de pensamentos que ocupa minha cabeça tenta entender o porquê. Sigo o rastro do meu cansaço, da saturação que parece se apossar de todo o meu espaço vital. Pego na mão o celular, cuja luminosidade acentua o latejar da minha cabeça. Sim, o celular. A internet. Daí vêm muitos dos problemas; daí vêm muitas perguntas sem resposta.
A primeira delas: a internet pode ser considerada espaço público se é gerida por um algoritmo por trás do qual há grandes corporações e muito dinheiro? Se a resposta é não, como colocar de novo no campo do debate esses fundamentos (razão, escolha, responsabilidade)? O que fazer quando a lógica do algoritmo (e sua monetização) deturpa, além do espaço público, aquele que se aproxima da intimidade?
O que fazer quando as relações familiares, as de amizade, aquelas que deveriam nos acolher e nos proteger das ameaças do mundo, se tornam elas mesmas fonte de ameaça?
Como discutir, afinal de contas, se do outro lado não há ideias, mas crenças inabaláveis? Como exercer o diálogo baseado na razão, uma das bases da democracia, se o fanatismo transborda dos templos e dos grupos para a sociedade? O que fazer se a ideia do diabo (tenha ele a cara do comunismo ou do PT) rege o exercício do voto?
Penso na enxurrada de notícias falsas e matérias escritas sem rigor que recebi no grupo de WhatsApp do qual saí; penso na falsa polarização, na falsa simetria que o jogo absurdo no qual estamos provoca. Não há polarização, pois não há debate; não há oposição de propostas, mas de medos.
Se está extinta a possibilidade de conversa, existe democracia? Existe democracia sem diálogo, ou se o que está em disputa é a própria noção de realidade (e inclusive seu valor)? Há democracia se as experiências coletivas são transformadas em artigos a se consumir ou usadas como alavanca para projeção individual —a escada lustrosa e cruel do mérito? São, afinal de contas, as redes sociais o que restou das experiências coletivas, mediadas e medidas agora por likes e viralização? Como nos reduzimos a isso? Em que momento do caminho nos perdemos?
Lembro de repente da reunião de pais da escola do meu filho mais novo, que aconteceu no começo da semana. A professora mostrou um vídeo em que duas crianças de 5 anos se esforçavam por estimar quantas figurinhas se somavam em quatro pacotes. Rimos todos, na sala escura, rimos deliciosamente. O olhar dos dois meninos; a concentração. O deter-se para pensar, a surpresa, a satisfação com o próprio pensamento. A colaboração com o outro.
Sim, a colaboração com o outro. A leveza e a alegria da cena. Há algo que precisaremos, de novo, definitivamente, aprender.
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