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Natalia Timerman

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Emoji de foguinho, algoritmo, dois tiques: os significados do mundo digital

Grande parte da nossa vida é online, e já não sabemos viver sem ela - Unsplash
Grande parte da nossa vida é online, e já não sabemos viver sem ela Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

18/12/2022 04h00

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Email inválido

Algoritmo. Ponto de contato entre o robô e Deus, responsável por determinar que imagens passarão diante dos seus olhos nos minutos ou horas tragadas pelo celular.

Atualização. Processo por que passam os celulares e aplicativos de tempos em tempos para fingir que, ao invés de controlar os afetos humanos, estão sendo controlados por eles; indício de que a tecnologia não ultrapassa, mas é ultrapassada por si mesma.

Áudio. Componente sonoro que opera o desmembramento de uma conversa, antes exclusiva da simultaneidade de um encontro.

Celular. Evolução do telefone, inicialmente usado para encurtar distâncias trazendo para perto a voz de quem está longe. Acabou se tornando banco, calendário, mapa, memória. Acabou se tornando a extensão do cérebro e do corpo, sendo inclusive capaz de medi-lo. O desespero diante da ausência súbita do celular faz questionar se não acabou se tornando também a extensão da alma.

Chamada telefônica. Ação perpetrada somente por a) telemarketing; b) golpe; c) escola dos filhos para avisar de intercorrências e suspender por três batidas o coração do responsável; d) tragédia.

Conexão. Antigamente sinônimo de vínculo significativo entre duas pessoas, hoje significa 4G. Deixou de definir o oposto de solidão —muito pelo contrário.

Desatenção. Legado de 12 abas abertas simultaneamente, talvez definitivo ao cérebro humano.

Disponibilidade. Estado fundamental de uma pessoa que tenha um aplicativo chamado WhatsApp. Um tempo de resposta minimamente alongado, seja por que motivo for, está sujeito a múltiplas interpretações, em geral reverberando angústias que seriam melhor direcionadas ao reflexo do espelho do que da tela.

Emoji. Tentativa amarelada de dar a uma conversa por escrito seu tom.

Emoji de fogo. Tentativa indiscutível de paquera, não necessariamente bem-sucedida.

Exaustão. Estado básico do humano contemporâneo.

Excesso. Demasia, exagero, teor dos nossos dias.

Falta. Suporte básico do excesso.

Foto de perfil. Imagem que passa a ser não só atribuída a uma pessoa, mas a significar a própria pessoa, ou pelo menos sua aura, ou sua extensão. Causa estranhamento quando muda, como se, até que se faça de novo o hábito, a pessoa mesma se transformasse. Pode desaparecer em algumas circunstâncias, o que significa que a pessoa pode ter se tornado, por livre e espontânea vontade, um tipo específico de fantasma.

Grupo. Mesmo que grupo de WhatsApp, lugar que não existe mas que toma horas do seu dia.

Presença. Comparecimento; comprovação de existência; sinal de cuidado e atenção. Insubstituível, ainda que em extinção.

Silêncio. Estado que permite escutar os sons da casa ou da cidade. Mesmo que: ausência de chamadas, alarmes, apitos ou enxurradas mentais.

Tempo. Duração e passagem, matéria da vida humana, ainda que a internet deturpe sua percepção.

Tiques.

  • Um. A mensagem não chegou.
  • Dois. A mensagem chegou.
  • Dois em azul. A mensagem foi vista, não necessariamente lida, provavelmente desconsiderada, o que pode não significar nada além de um dia ocupado do outro lado da tela. Ou não.

Visualização. Dispositivo que permite saber quem viu sua foto ou seu vídeo, às vezes erroneamente interpretada como prova inconteste de amor.

Vazio. Constituição básica do ser humano, muitas vezes dolorosa, o que leva a tentativas frequentes e de antemão falhas de preenchimento. A internet e suas multiplicidades provê inúmeras delas, seja no trânsito, esperando o elevador ou quando deveríamos simplesmente deixar os olhos vagarem.