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Natalia Timerman

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando alguém reaparece em nossa vida, o que nos faz abrir espaço?

Primas se reencontram após décadas de amizade entre a família - Getty Images
Primas se reencontram após décadas de amizade entre a família Imagem: Getty Images

Colunista de Universa

08/01/2023 04h00

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Embora eu tenha ficado conhecida por escrever sobre pessoas que somem, gosto mais das que aparecem.

Meu avô Bernardo tinha um amigo, Marcos, tão próximo que considerava seu irmão. Tanto que os filhos e netos assumiram alcunhas familiares: meu avô era o tio Bernardo, e os filhos deles se diziam primos.

Marcos e Bernardo morreram há muitos anos, e os filhos e os netos foram perdendo contato. A lápide de Marcos, por coincidência, fica a poucos metros da do meu pai, mas isso era tudo o que eu sabia dele e dos seus descendentes nas últimas décadas.

Eis que, dia desses, uma amiga marca no Instagram alguém cujo sobrenome me chama a atenção —ah, o algoritmo, essa manifestação contemporânea do acaso. Não tardo a ligar os pontos: aquele Polacow era o mesmo do Marcos, do grande amigo do meu avô. Num impulso, solicito amizade à Fernanda, a portadora do sobrenome.

Meia hora depois, ela me escreve: você não vai acreditar no que aconteceu.

Depois de décadas sem mencionar minha família, Fernanda e sua mãe conversavam sobre minha mãe; sobre o Alzheimer que corrói a memória dela, sobre a tristeza de adoecer tão cedo. Fernanda pegou o celular em seguida e se deparou com minha inusitada solicitação de amizade.

Outro dia, saímos para jantar. Fernanda mora fora e encontrou tempo, na agenda cheia de quem passa alguns dias no Brasil, para conversar com uma desconhecida. Não exatamente desconhecida: ao contar a ela dos meus filhos, ao descobrir dos seus, ao saber de seus projetos, a sensação era a de que estávamos apenas recuperando o tempo perdido, ou de que estávamos nos atualizando das novidades da última semana, com a diferença de que a última semana corresponde à nossa vida inteira.

Meu avô perdeu os pais muito cedo, talvez por isso tenha feito dos seus amigos família. No meio da conversa, Fernanda conta do projeto de um filme inspirado em questões como a sua. Nunca considerei minha família meu primeiro lugar de apoio, ela diz. Esse lugar sempre coube aos meus amigos. Como fazia meu avô, de cuja risada, de cujo cheiro ela se lembra tanto quanto eu.

As relações de amizade já seriam bonitas o suficiente se fossem apenas um laço duradouro, mas conseguem ser mais do que isso; graças a Bernardo e Marcos, entendi que a amizade é uma espécie de material genético, não do corpo, mas da história, e então pode atravessar gerações.

Bem-vinda à minha vida, prima.