Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Não chame os golpistas que tomaram as sedes dos três poderes de loucos
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É tentador chamar de loucos os que se denominam patriotas, os que escrevem e replicam mensagens absurdas, acampados em quartéis até serem judicialmente impedidos, os que bloqueiam estradas e refinarias; é tentador chamar de loucos aqueles homens e mulheres que destruíram com ferocidade o lugar onde, exatamente uma semana antes, havia sido celebrado um dos momentos mais bonitos da história do Brasil.
Mas eles não são loucos. Não são psicóticos, terminologia psiquiátrica para o que o senso comum entende como loucura. Mesmo que algo da estrutura do pensamento dos ditos patriotas pareça delirante — a convicção e o conteúdo persecutório —, o delírio é solitário, não compartilhado. E não se trata apenas de uma questão terminológica. Chamá-los de loucos pode estigmatizar ainda mais os portadores de quadros psicóticos e interpreta como patológica uma questão essencialmente política.
Se a ideia de conspiração pode estar presente nos delírios, ela não é exclusividade deles. Teorias da conspiração são objeto de crença pelos seres humanos ao longo dos séculos, e as pessoas que acreditam nelas não estão doentes. Trata-se de um fenômeno instigante e, mesmo que não patológico, potencialmente perigoso — tivemos provas disso no dia 8 de janeiro de 2023. Outro dos pontos de contato entre delírio e teoria da conspiração é resistirem, ambos, às provas de realidade, mas isso não quer dizer que são a mesma coisa.
O Brasil de hoje mais que nos convida, nos obriga a fazer essas distinções. É preciso ser muito criterioso e rigoroso para lidar com questões tão complexas e que colocam de várias maneiras a própria realidade em dúvida. Teorias da conspiração existem há séculos, mas não havia a internet a fomentá-las, a repeti-las e então reforçá-las. Toda tecnologia que chega à humanidade exige uma regulamentação, depois que os danos que podem causar se tornam evidentes: assim foi, por exemplo, com os carros e com a radiação. A internet nos dá a impressão de que chegamos ao futuro, mas aguça as fragilidades com que a humanidade precisa se haver desde o seu passado, acentua a precariedade que ao mesmo tempo disfarça.
É preciso resistir ao impulso de classificar o que ainda não entendemos; é preciso manter estranho o que é estranho, aberrante o que é aberrante, tratar o que é crime como crime. É preciso cuidar para diferenciar o que é resquício de ditadura e o que é comportamento de seita, e em que momento ambos se encontram. O dia 8 de janeiro foi um deles.
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