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Natalia Timerman

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O melhor remédio para a angústia não é vendido nas farmácias

"O melhor remédio para a angústia, não podemos esquecer, é senti-la" - Unsplash
"O melhor remédio para a angústia, não podemos esquecer, é senti-la" Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

12/02/2023 04h00

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É difícil saber onde começa, se na dificuldade para dormir ou para acordar. Talvez na demanda de trabalho, insuperável, humanamente impossível de ser atendida em 24 horas, muito menos nas míseras 16 que deveriam ser de vigília; talvez na atribulação constante que impede o descanso.

Pode ser que comece quando você decide, enfim, descansar, na aflição para escolher entre sair ou ficar em casa, e depois a qual filme assistir, ou dependendo do caso a qual festa ir. Aflição que continuará depois, quando você vir as fotos de todas aquelas nas quais não compareceu, porque você é uma pessoa, e uma pessoa tem um corpo, e um corpo, pelo menos por enquanto, só pode estar em um lugar de cada vez.

Você já não se lembra se primeiro foi o Patz para dormir ou o Venvanse para acordar, ou talvez o Venvanse tenha sido para se concentrar um pouco melhor, afinal de contas, que foco resiste a um celular que te oferece a cada instante 32 límpidas solicitações? Basta portar um smartphone para preencher alguns dos critérios para TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), pelo menos aquele que diz se tratar de uma tendência a passar de uma atividade a outra sem concluir nenhuma.

Haja psicoestimulantes, pois, para as luzes acesas nos prédios da Faria Lima até altas horas, ou para aqueles seres humanos, no caso todos, que adiam o início de uma atividade que consideram difícil ou que cumprem com mais facilidade aquelas pelas quais se interessam. Haja insumo para atender tanto os que sofrem do transtorno quanto os que sofrem de capitalismo —não à toa, metilfenidato e lisdexanfetamina andam constantemente em falta.

Haja Ozempic para lidar com a fartura, ou com o abismo entre a escassez que te é exigida pelos padrões de beleza e a oferta de comida que te esmaga a cada esquina, em linguagem feita para te convencer. Vamos de testosterona para que seus músculos explodam de vigor, para que cada ferro puxado na academia os converta em um semelhante metal; está aí o vape, meu caro, para que você fume um pendrive e finja não fumar, isso ajuda na culpa, outra das mazelas humanas que é sempre melhor não sentir.

Salve o Viagra para conseguir trepar depois de encher a cara. Viva a Novalgina para a ressaca, amém para o Rivotril de cada dia que te ajuda a suportar a dor de existir.

Enquanto não for possível mudar sua vida, haja balcão de farmácia para medicar o mundo através das suas células, haja comprimidos para a impossibilidade de assumir os limites do seu corpo.

Há diagnósticos e há a experiência humana, e precisamos cuidar de não confundir um com o outro. O melhor remédio para a angústia —não podemos esquecer— é senti-la.