Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Tragédia no litoral de SP: mobilização social é bonita, mas isso não basta
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"A nossa casa está com lama no quintal, apenas isso. Mas J. e C. perderam tudo."
Essa foi a resposta da proprietária da casa onde me hospedei na Barra do Sahy, litoral paulista, em janeiro, à mensagem em que eu dizia estar devastada por causa das chuvas e suas consequências. Mas é preciso cuidar das palavras. Eu não estava devastada, devastado estava o litoral norte de São Paulo. Mais especificamente a parte do lado de lá da rodovia Rio-Santos, onde viviam J. e C. e aqueles que servem as casas de veraneio na alta temporada, quando os ricos, dentre os quais me encontro, deixam suas residências no asfalto para se esbaldarem na areia e no mar.
A tragédia anunciada da vez. Uma combinação de descaso de diferentes instâncias de governo, crise climática e ocupação irregular de territórios por pessoas que são empurradas em direção aos morros pela especulação imobiliária. A cada ano, o tenebroso roteiro se repete. Não é preciso ter boa memória: sul da Bahia; Minas Gerais; Petrópolis. Qual será o próximo?
Centenas de pessoas perderam tudo, como J. e C.
Leio descrições do resgate, imagino os corpos sujos de lama. Lama, lama, lama, a força avassaladora da natureza respondendo que está tudo errado às perguntas que não fizemos.
Estamos fazendo tudo errado. A lama de Brumadinho já secou, mas os mortos continuam mortos. A causa por detrás de tudo é a mesma: o dinheiro vale mais do que as pessoas.
Moramos errado, por escolha ou pela falta dela, e eu sei que, neste plural, moramos, cabe gente demais e responsabilidade de menos.
Vivemos errado, por desconsiderar que os mais desejáveis dos prazeres e lazeres (aqueles que só muito dinheiro compra) se sustentam por pessoas em risco e pelo descaso com o uso do solo e com o meio ambiente. Compreendemos de modo totalmente equivocado o valor da vida. De todas as vidas. Das que perderam tudo e das que voltaram do litoral de helicóptero para a segurança seca de suas residências na capital.
É bonita e crucial a mobilização e a solidariedade de tanta gente. Mas isso não basta. Precisamos de políticas públicas que olhem para isso antes da tragédia nossa de cada verão. Precisamos com urgência nos haver com as grandes e pequenas escolhas que compõem o nosso modo de vida. Questioná-las. Modificá-las. Antes que a urgência seja outra.
Não antes que seja a nossa vez, porque a nossa vez já chegou. Todos os mortos são nossos.
Para mais detalhes e informações sobre o assunto, consulte @geopanoramas.
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