Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Teatro é encontro. E encontrar gente é como voltar a respirar
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É preciso espalhar a fofoca do teatro, disse Denise Fraga ao fim da peça, então cá estou eu, uma das pessoas presentes no teatro Sérgio Cardoso no sábado passado para assistir a "Eu de você"; uma das componentes daquela combinação única de indivíduos que depois se aspergiu pela cidade, cada um de volta a sua vida, mas levando algo da noite. Levando algo da peça, da Denise, do encontro.
Porque teatro é encontro. Encontro e abertura, abertura e história, e Denise costurava com o corpo e a voz as histórias de tanta gente, a mulher apressada, o homem que se apaixonou pelo assaltante, as coisas perdidas que se acumulariam se possível, a dor de cada um que existe e que se acessa ao olhar nos olhos. Aquele brilhozinho, a beleza, a dor.
Mas a peça era aberta: se espalhava pela plateia, continuava, produzindo novas histórias, uma delas ali, na fileira G. Porque olhamos para o lado e lá estava uma nossa amiga antiga, que eu conheci no mar e meu companheiro na rua, e ela nos conheceu antes que nos conhecêssemos e fôssemos um casal. Ela estava ali! Justo ela, que me disse um dia que, num vagão de metrô, a cada vez se encontrava uma combinação única e irrepetível de pessoas, uma combinação que ela chamava de cápsula.
Nossa cápsula teatral continha pó de gente que se aglutinava ao rir, ao olhar para o lado, ao chorar. As pessoas. Ir ao teatro e encontrar gente é como voltar a respirar, é como olhar enfim ao redor, é como voltar à vida que já era a nossa, só estávamos sem tempo de ver.
Saímos da peça ainda na peça, levando o teatro para a rua, os poros abertos caminhando pelo Bixiga, nós e a amiga. A cápsula de tempo que oferecemos um ao outro: ela nos contou dos últimos anos, a pandemia, a sua dor. Nós contamos a nossa, não sabíamos se estaríamos juntos depois.
Mas quem é que sabe?
Ela nos disse exatamente o que precisávamos ouvir. O eco da peça, e os olhos que brilhavam agora eram os nossos.
Olhando de fora, olhando de depois, sendo narrada, a dor sempre cabe. Quando vira história, é porque já coube, ainda que continue a doer. Ainda que tudo esteja aberto, os poros, a vida, a própria história.
Não dramatizar. Não dramatizar fora do teatro. A cada coisa seu tamanho. Não sofrer tanto por amor.
E a paixão, disse a mulher da mesa ao lado, a voz grossa, resoluta, portadora da maior verdade do mundo; a paixão — no átimo de silêncio nos viramos para escutar também com os olhos: a paixão é uma coisa horrorosa.
E a vida é linda só porque saímos do teatro e escutamos uma frase como essa no Bixiga, comendo coxinha numa mesa de bar.
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