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Natalia Timerman

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

O que MC Guimê, Cara de Sapato e Daniel Alves têm em comum?

MC Guimê e Cara de Sapato foram expulsos do BBB - Reprodução/Globoplay
MC Guimê e Cara de Sapato foram expulsos do BBB Imagem: Reprodução/Globoplay

Colunista de Universa

19/03/2023 04h00

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Nunca esqueci de uma passagem de "Pina", documentário de Wim Wenders sobre Pina Bausch, em que ela dizia algo sobre estarmos, cada um de nós, presentes em cada gesto. Não só o que somos, mas a nossa história, a sociedade em que vivemos, o tempo em que estamos presentes sobre a Terra: tudo isso compõe cada movimento do corpo de cada pessoa. Tudo significa.

Mas há determinados gestos que significam ainda mais. Eles carregam e reproduzem silenciamentos; eles confirmam violências. E apontam para buracos que eles mesmos continuam a cavar.

Muito se falou sobre o estupro cometido pelo jogador de futebol Daniel Alves em uma mulher numa danceteria na Espanha. Muito tem se falado sobre consentimento e sobre culpa. Mas é curioso que, para que a culpa recaia sobre o homem que cometeu uma violência, é preciso um esforço de múltiplas instâncias, e ainda é possível que muita gente se sinta, lá no fundo, compadecido pelo abusador. Até e principalmente a própria vítima. "Vai acabar com a vida dele", "é muita exposição", "ele tinha uma carreira", "não foi nada demais".

Não conheço uma única mulher que não tenha sido sofrido algum tipo de assédio sexual ao longo da vida. As histórias são inúmeras, a violência é cotidiana, e a tendência de compadecimento quase automático com o abusador significa que o corpo das mulheres ainda não é visto como delas. Ora, foram homens que determinaram que o aborto é ilegal no Brasil.

Foi um homem, esta semana, que ofereceu passagem para mim num ônibus lotado e tentou se esfregar no meu quadril. Foi um homem, outro dia, numa praia em que eu estava sozinha, que pediu, do nada, para que eu amarrasse seu short.

Foram dois homens, MC Guime e Cara de Sapato, que passaram a mão em duas mulheres durante uma festa no BBB 23. E é muito importante que tenham sido expulsos do programa.

Tenho entendido que toda violência é uma ação ao mesmo tempo atual e antiga. Um encontro entre tempos, uma encruzilhada. Cabe ao presente definir o que fazer com ela. Cabe a nós, cotidiana e incansavelmente, homens e mulheres de hoje, entendermos que o corpo de uma mulher é dela. Qualquer aproximação sem consentimento configura uma invasão. E violências contra mulheres não podem e não devem ser naturalizadas como sempre foram.

Mão boba não existe. Não é não. E a culpa da violência é e sempre será de quem a cometeu. Partimos daí e podemos começar.