Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A treta da vez no Twitter: gozar com sofrimento alheio para esquecer o seu
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O bom da treta da vez no Twitter é que, enquanto goza com o sofrimento alheio, você esquece do seu. Esquece das tarefas pendentes, das mensagens não recebidas, se redime de cada frustração.
É humano: é humano desde a Roma Antiga, quando a turba gritava nas arquibancadas da arena diante dos gladiadores que se engalfinhavam até morrer.
É bom esquecer. Seria ótimo, afinal, não pensar por uns minutos na professora que morreu na escola, no ex-presidente genocida que voltou para o Brasil, na inteligência artificial que ameaça não só seu emprego, mas a humanidade inteira. Seria ótimo, se essas coisas não estivessem todas relacionadas.
Seria mesmo muito bom nem pensar que o ímpeto raivoso saciado pela arrelia é alimentado pelo mesmo algoritmo que vem destruindo as democracias. Que a sua reação íntima, o prazer diante da destruição do outro e os aplausos em forma de curtidas e compartilhamentos fomentam a mesmíssima rede na qual o ataque à escola da semana foi concebido.
Mas ah, que maravilha esquecer. Que maravilha apontar o erro do outro para se esquecer dos próprios. Que gostoso concordar com quem discorda, discordar de quem concorda, brigar de longe, na segurança solitária da sua própria casa. Ou só assistir à briga, quase de graça, ser voyeur de treta alheia a preço da internet rápida que você já pagava mesmo.
Vamos crucificar quem falou, quem calou, quem apagou. Crimes irredimíveis, não é mesmo?, esses que escancaram os nossos próprios buracos. Vamos confundir truculência com honestidade, vamos ler cada fio, perder horas e horas salivando de prazer enquanto nossa vida pessoal continua dura e sem solução.
Julguemos, multidão! Não está mesmo fácil para ninguém. Julguemos com a mesma violência com que nos julgarão quando chegar a nossa vez. Porque sim, ela vai chegar. Afinal de contas, para errar, basta estar vivo.
Mas ah. Como é bom viver acreditando que quem erra são sempre os outros, só os outros, e que por detrás de um perfil não há suor nem lágrimas. E mesmo se houver: pelo menos não são os seus.
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