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Natalia Timerman

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Escola é lugar de crescer, jamais de morrer

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Imagem: Unsplash

Colunista de Universa

09/04/2023 04h00

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Deixar o filho na escola: gesto cotidiano e simples que é a antítese do medo. Porque a escola é lugar de crescer, errar, aprender, encontrar, jamais de morrer.

Quando os noticiários são invadidos por notícias de assassinatos em escolas, é como se a linguagem se subvertesse. Chegamos perto do indizível, o mesmo que cala testemunhas da Shoah; chegamos na região da humanidade em que há um buraco e ela cai dentro dela mesma. Chegamos no absurdo, no horror, no que não poderia ser sequer imaginado, no que não poderia nunca ter a menor chance de ocorrer.

É a segunda vez em duas semanas que esse nunca fura as barreiras da possibilidade lógica e acontece no Brasil. Acontece pelas mãos de pessoas, pelas mãos de homens, homens armados, e nos chega em manchetes, em imagens, em conversas de esquina, um pesadelo invadindo a realidade e os dias comuns.

Mas os pesadelos têm origem, todos eles, por mais ilógicos que pareçam. Os pesadelos são feitos de medo e de dor, são feitos daquilo para o que temos dificuldade de olhar.

Nossos pesadelos são feitos das armas à solta, da voz dada à violência (miticamente muda), da ira fertilizada cotidianamente pelo algoritmo, essa inteligência artificial que, mais uma vez, nos faz ter que questionar o pressuposto do iluminismo de que há uma inteligência pura e de que ela é essencialmente boa. Não: talvez a inteligência pura não tenha ligação alguma com o bem, pelo contrário. Talvez, sem rosto humano, ela fomente justamente o mal. O rosto, esse que, quando exposto, ameaçado, nos convidaria, segundo Emmanuel Levinas, a um ato de violência ao mesmo tempo em que ele, o próprio rosto, nos proíbe de matar.

Não mataríamos. A morte de uma criança na escola é a morte de todos. O assassinato de uma criança na escola é um gesto perpetrado por todos. A humanidade como erro, como falha, como horror.

Nossos pesadelos são forjados pelas mãos de homens que não conseguem lidar com o próprio fracasso, com o próprio desejo, com sua falta de lugar num mundo que passa a lhes parecer inabitável quando começam a perder o seu privilégio de séculos.

O primeiro passo deveria ser depor todas as armas, e não empunhá-las mais e mais. O segundo deveria ser o silêncio: refletir antes de tentar entender. O terceiro, chorar. Simplesmente chorar.

A escola é o lugar do peito aberto, não do colete à prova de balas. É o lugar da disposição, da aprendizagem, de olhar nos olhos. A escola é o lugar do rosto exposto. Um rosto que hoje agoniza de dor.