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Natalia Timerman

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O presente que peço a meus filhos neste Dia das Mães é minha ausência

David Brooke Martin/Unsplash
Imagem: David Brooke Martin/Unsplash

Natalia Timerman

Colunista de Universa

14/05/2023 04h00

Enquanto muitas mães estarão almoçando com seus filhos para celebrar seu dia, os meus estarão no carro, me levando para o aeroporto.

Quando comprei as passagens, não lembrei que viajaria justo no Dia das Mães para ficar um novo recorde de tempo longe dos meus filhos. Nada muito drástico: menos de duas semanas. Mas tempo suficiente para alimentar minha ávida, feroz e sempre pronta a ser empunhada culpa de mãe.

É ela que me faz deixar planejados e organizados os dias durante a minha ausência; é ela que me faz já escrever para a escola avisando quem vai buscá-los nos dias que caberiam a mim, adiantar as compras, deixar tudo em seu lugar e repassar oito vezes cada coisa para que tudo corra bem.

Aqui, preciso agradecer, aliás, à nossa pequena aldeia, aos pais e mães dos amigos dos filhos que nos ajudam nessa nossa solitária jornada de quem não tem a ajuda de nenhum avô ou avó. Eu fico enternecida a cada vez que percebo que posso contar com vocês.

Logo que meu primeiro filho nasceu, percebi a íntima conexão, quase uma sinonímia, entre as palavras "mãe" e "culpa". Lembro da primeira vez que saí de casa sem meu filho para ir ao dentista: olhava em volta, via as pessoas andando sozinhas na rua, sem suas mães, com um misto de angústia e alívio. Um dia, ele vai crescer e vai passar seus dias longe de mim. Isso é tão óbvio, mas parece tão distante para a mãe de um bebê.

Karl Ove Knausgård, em "O fim", sexto volume de sua série autobiográfica de romances, demonstra sua perplexidade diante das queixas de Linda, sua esposa, quando precisa cuidar dos filhos do casal. Ele tem a sensação de que passa muito mais tempo com eles e, no entanto, é ela quem está sempre exausta. Não vou entrar no mérito das questões psiquiátricas de Linda, minuciosamente descritas no livro; mas suspeito que parte do cansaço de Linda se deva à culpa.

Um pai não sente culpa se não está cuidando de seus filhos para trabalhar, viajar, se divertir. Uma mãe, sim. Uma culpa de séculos, muito anterior a ela, arraigada na crença equivocada, mas ainda subterraneamente difundida, de que a responsabilidade última pelas crianças é, no fundo, da mãe.

Não é. Estou evitando agradecer ao meu companheiro por cuidar das crianças enquanto estarei fora. (Não consigo: obrigada, obrigada, obrigada, eu digo nesse inevitável parêntese, porque o que deveria fazer parte da vida de toda mãe — parceria verdadeira no cuidado com os filhos — ainda é privilégio.)

O presente que peço, então, aos meus filhos — e que ao mesmo tempo dou a eles — é, neste Dia das Mães diferente, minha ausência. Para que eu seja uma mãe apenas suficientemente boa, como me ensinou Winnicott; mas principalmente para que saibam que a mãe deles é uma mulher com outros sonhos e desejos que, ainda que dividam meu tempo, não dividem meu amor.

Pelo contrário: realizar outros sonhos e desejos me tornam mais feliz e mais inteira para amá-los. E tira da conta deles (só da deles), se acaso eu não os realizasse, a culpa.