Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Entre ter seguidores no Instagram e ser levada a sério, quero os dois
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Meu perfil no Instagram era fechado e eu tinha umas poucas centenas de seguidores quando uma amiga me sugeriu que o deixasse aberto para divulgar o lançamento do meu romance "Copo Vazio". "Só por algumas horas", disse ela.
Lá se vão horas suficientes para preencher mais de dois anos e meu perfil continua aberto. Parei de postar fotos mais pessoais, parei de compartilhar imagens dos meus filhos, entendi que aquilo era uma ferramenta de trabalho e que o Instagram me ajudava a levar o que escrevo e o que outras pessoas escrevem até mais pessoas. Eu ainda não sabia a que custo.
Quando uma revista grande publicou algo sobre meu livro, a enxurrada de seguidores, mensagens e comentários me causou inegável excitação. Com o passar dos dias, o entusiasmo se transformou em exaustão e atordoamento. Demorou um pouco, mas fiquei aliviada ao perceber que a solução, temporária como toda solução, era fácil: tratava-se de simplesmente não entrar no aplicativo, desfrutar das horas do silêncio real enquanto o estardalhaço acontecia apenas nos bits que minha renúncia calava. Mas renunciar às redes é como renunciar a uma droga de abuso: meu cérebro entende as curtidas com a mesma gratificação com que entenderia a fumaça de crack entrando nos meus pulmões.
O custo não era só íntimo, não era só uma batalha minha comigo mesma. Provavelmente por ingenuidade, demorei para perceber que, em alguns meios, principalmente o literário, o número de seguidores costuma ser inversamente proporcional ao respeito intelectual. A questão não é nova: cair nas graças do grande público e dos próprios pares, ser ao mesmo tempo sucesso de crítica e de vendas é algo raro, raríssimo, uma curva matemática lógica de mais aqui, menos lá, potencializada pelo algoritmo, pelas nossas mais primitivas emoções e pela perigosa combinação entre ambos.
Eu não tenho tantos seguidores assim, e meu livro, sob o parâmetro de leitores de outros países que não esse nosso Brasil que tão pouco lê, não fez um sucesso tão estrondoso, mas talvez tenha feito barulho o suficiente para me dar o gosto de ter que escolher: quero ser lida ou quero ser intelectualmente apreciada?
Quero ambos, ainda que isso pareça impossível.
E obter ambos parece impossível por alguns motivos fáceis de entender. A mesma tendência primária que nos faz torcer por um personagem inicialmente mais fraco, indefeso, vítima de injustiças dentro de uma narrativa (ah, essa palavra um dia bela que hoje tanto se ataca: não só os escritores estão sujeitos ao desgaste da própria imagem, também o estão as palavras), pode ser expandida para fora dos livros, os escritores sendo então personagens da própria vida. O que acabam sendo, na combinação tacitamente exigida e teoricamente profetizada de literatura e performance. Mas então a receita se volta contra ele quando atinge o sucesso: no maniqueísmo fácil das redes, ele passa de indefeso a cheio de artimanhas, de mocinho a vilão. Principalmente se for negro ou mulher: você pode chegar longe, diz o burburinho malicioso da sociedade, mas não tanto assim.
Aqui, é preciso dizer que a crítica literária que leva a sério um escritor e que justamente por isso pode malhar sua obra (mas não sua pessoa) é muito bem vinda, ainda que sempre exista o risco de a própria crítica ser recebida com o viés da dinâmica binária dos nossos tristes tempos de cancelamento.
E um escritor é, antes de tudo, humano. Eu sei disso, porque sou uma escritora e conheço pelo menos um pouco dos meus defeitos. Entendi dia desses, inclusive, que é do que sei menos que escrevo melhor: é das minhas dores mais inconfessáveis, das minhas questões menos elaboradas, das minhas piores fraquezas e dos meus buracos mais fundos que sairá minha melhor literatura.
Ainda assim, me surpreendo com as picuinhas que os escritores mostram de si na vida e nas redes, como se eu por um instante me esquecesse que, se são bons personagens, são também complexos.
Escritores escrevem, mas também anseiam, amam, odeiam e brigam; escritores choram, competem, gritam e caem de bêbados (sei disso tudo por experiência própria). Escritores se envergonham, se arrependem, se contorcem, invejam; se unem, se aliam, se retaliam e depois se abraçam.
E, assim como uma belíssima frase escrita por qualquer um deles que tenha sido, de tão preciosa, destacada, anotada, repetida e espalhada perde o valor, também todo escritor está sujeito à banalização do próprio sucesso, ainda mais num meio que reclama por não receber a devida atenção do público, mas parece reclamar ainda mais quando recebe.
Resta, mais uma vez, encontrar o equilíbrio entre dizer e calar, aparecer e se recolher, publicar e silenciar.
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