Natalia Timerman

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Opinião

Quem sofre de amor se sente ridículo para fazer séries de 15 qualquer coisa

Hoje ela não consegue puxar ferro. Quem sofre de amor já se sente ridículo o suficiente para fazer três séries de quinze de qualquer coisa. Ela precisa, hoje, que seu corpo seja um corpo, não uma máquina. Precisa de outros movimentos, de algum tipo de alegria, precisa de música. Encosta no balcão e pergunta se tem alguma aula, ela que nunca falou uma palavra com ninguém ali dentro. "Zumba, em três minutos."

Sem questionar, como que obedecendo a uma ordem do destino, se encaminha para a sala onde se concentram outras sete mulheres e um homem, um rapaz, na verdade, branco e tímido, alto e um pouco desengonçado. As mulheres parecem felizes, habituadas a aulas de dança às terças-feiras, conversam entre si, se alongam. Ela espera a música e as ordens da professora, um pouco alheia, prestes a chorar.

E ela dança. No começo, quase chorando, até que começa a suar e a perceber que não é só com os olhos que um corpo chora, pode ser também com o suor, e que talvez todo suor seja uma maneira de chorar.

Ela erra todo e qualquer movimento até perceber que nenhum deles é um erro. E que a senhora de roupa multicolorida e transparente exagera lindamente o quadril para os lados, e sorri forte, e que o sorriso, bem mais do que a tristeza, é contagiante. E que o rapaz tímido se chama Ronaldo, e que a moça à sua esquerda é a Taís, e que dançar é bom e não há nada de ridículo, muito menos sua dor.

Depois, segue para a esteira. Mesmo tendo dito à professora de zumba que voltaria semana que vem, ela sabe que nunca mais vai voltar. Aumenta a velocidade, e o suor da dança se soma ao que suas passadas fazem seu corpo excretar. Nos fones de ouvido, "Stay on These Roads", do a-ha, música pra sofrer gostoso, que a faz se lembrar de uma paixão dos vinte e poucos, Felipe, quando passava de carro na chuva em frente à casa dele para ver a janela acesa, e correndo e suando se dá conta de que está pensando na paixão errada, o coração já não dói pelo Felipe, dói por outra pessoa, "stay, my love" nos fones de ouvido e então de repente correndo suando correndo entendeu.

"Stay my love, stay on": fique, meu amor, fique. O amor tinha ficado. André, Felipe, Renato, João, todos ficaram, nenhum foi embora e não vai jamais, porque o que fica é o amor. O pedido daquela música e de todas as músicas de amor é sempre atendido: o amor nunca vai embora e é sempre o mesmo. O amor dela.

Na barra de alongamento, a mulher de roupa multicolorida lhe sorri, cúmplice, sábia, já tendo entendido tudo uma vez. Um sorriso maroto, como se tivesse em cima uma piscadela.

Ela sorri de volta.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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