Flip: lugar onde se fala de histórias enquanto se faz história
Leda Cartum, na brilhante conversa com Socorro Acioli e Felipe Charbel mediada por Rita Palmeira, disse que escreve para guardar um pouco do tempo no texto. É isso que tento fazer aqui: manter entre estas palavras algo da irregularidade das pedras de Paraty, que parecem favorecer os encontros; algo da alegria, da surpresa, da festa.
Tento também escrever para uma Natalia que, quando este texto for publicado, estará voltando para casa, transformada por estes dias, pelo ter-sido daqui. Escrevo numa sexta-feira que já será passado quando chegar domingo, ciente da rapidez de cada momento, ciente de que a escrita é a conjugação entre um agora que se esfacela sempre rápido demais e o depois; escrevo como vivo, sem saber o que virá.
Ainda assim e por isso agradeço. Ontem se aproximou de mim uma mulher, dizendo que tinha uma história para me contar. Ela tinha acabado de me ouvir falando sobre o adoecimento de minha mãe na conversa com a escritora irlandesa Sinéad Gleeson, autora do ótimo "Constelações", livro de ensaios sobre o corpo, sobre o luto, sobre a maternidade, temas que Rita Palmeira, que nos mediou, conjugou tão bem.
Mas não cabe a mim escrever sobre o que se passou no palco quando eu estava nele, e sim sobre essa mulher, que veio me contar que é médica, e também quer escrever. E ela já tem algo muito importante para uma escritora, penso agora, pois escolheu a ordem certa para me contar que trabalha na sala de emergência de um hospital, e que por isso presencia muita coisa que poderá depois escrever.
E ela presenciou o dia em que estive lá com minha mãe. Ela atendeu minha mãe, e nós nos lembramos disso no lugar da minha mãe, que tem Alzheimer e não consegue mais fazer o que estas palavras tentam, juntar o antes e o depois. S. disse que não me reconheceu na hora, que só depois se deu conta de que eu era a escritora. Essas tantas Natalias que afinal são a mesma.
Eu lembro tão bem desse dia, pois achei que minha mãe estava morrendo, mas graças a S., não, ela não estava. Obrigada por me escutar falando de literatura e medicina, e por cuidar de nós. Obrigada por me contar essa história que você presenciou na sala de emergência do hospital: essa história que é a minha.
PS: "Constelações" foi traduzido por Maria Rita Viana para a editora Relicário. Muito obrigada, Milena Britto e Fernanda Bastos, pela linda festa da qual pude fazer parte desta vez por outro ângulo.
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