Beleza só existe porque acaba: Liv Strömquist e seu 'Na Sala dos Espelhos'
"Parece que nós, seres humanos, estamos cada vez piores em lidar com a efemeridade da beleza física. Talvez seja porque vivemos numa economia capitalista, em que pensamos que tudo é — ou precisa ser — uma curva eternamente ascendente." Impossível não concordar com a socióloga e quadrinista sueca Liv Strömquist em seu "Na Sala dos Espelhos" diante dos comentários cotidianos sobre atrizes e modelos que, como todo ser humano, envelhecem.
Strömquist, que já havia me feito pensar sobre o amor em "A Rosa Mais Vermelha Desabrocha", agora me coloca diante da beleza — mas também do amor, porque seus quadrinhos explicam a relação que há algum tempo pode haver entre ser atraente e ser amada, e o estado de perpétua insegurança que desemboca nisso. Há algum tempo, sim — pois não foi sempre dessa maneira, os casamentos (não que isso significasse amor) poucos séculos atrás se davam apenas por motivos políticos ou econômicos, e isso é o mais bonito e desconcertante nos quadrinhos de Liv: vislumbrar o caminho que o que parece imutável faz, ao longo da História, para se tornar como é hoje, e esse vislumbre muda a relação com como vivemos agora.
"Na Sala dos Espelhos" foi publicado em 2021, e o livro chegou ao Brasil com tradução de Kristin Lie Garrubo em 2023, antes de mulheres perfeitas criadas por Inteligência Artificial também passarem a fazer parte de nosso cotidiano. Strömquist desenha os sentimentos ambivalentes que nos despertam, principalmente a nós, mulheres, as imagens de outras mulheres absurdamente lindas nas redes sociais: há o fascínio, mas há também a inadmissível sensação de inferioridade e derrota.
Mas e as mulheres criadas por IA? A mim, mais que o fascínio por sua beleza, me toma, diante de suas imagens, a perplexidade por sua criação, e principalmente a indagação sobre o próprio estatuto da beleza. Por que aquilo é considerado o mais belo que há? Aquilo seria mesmo a perfeição? Minha perplexidade, então, vai além: a beleza tem mesmo relação com a perfeição?
Se não com a perfeição, a beleza se relaciona com a angústia. Mesmo nós, reles mortais, que postamos apenas uma selfie em que julgamos ter saído bem, precisamos esconder de nós um incômodo. "Criamos uma relação voyeurística crônica com nós mesmos", afirma Strömquist. E pior: "À medida que o eu público é recebido com aplausos, amor e aceitação, o outro eu [o eu privado] se move nas sombras, um eu que se sente cada vez mais invalidado, rejeitado, malsucedido e fraco. É muito difícil expor uma imagem ideal de si mesmo [como em uma foto com filtro] e não ser tiranizado por essa imagem."
Olho a perfeição lisa de mulheres irreais como Aitana Lopez e Emily Pellegrini e percebo que se trata de perfeição, sim, mas talvez não de beleza. Beleza só é beleza porque acaba. Strömquist: "Da mesma forma que a morte é uma condição para a vida, a efemeridade da beleza é uma condição para que ela seja percebida como tal." E então, se for assim, o que é criado pela IA seria não o ápice da beleza, mas seu fim.
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