Natalia Timerman

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Opinião

Ser a favor da vida é ser a favor da legalização do aborto

"Se você levar nove minutos para ler este texto, durante este tempo uma mulher terá morrido por ter feito um aborto clandestino. Provavelmente, essa mulher será do hemisfério sul, de um dos países onde abortar ainda é ilegal — não por coincidência, em sua maioria, países considerados subdesenvolvidos.

Ela poderá pertencer a todas as classes, etnias e religiões, mesmo as praticantes de religiões que se pronunciam contra o aborto. Ou melhor: ela provavelmente será pobre, porque as mulheres ricas acabam tendo acesso, mesmo ilegalmente, a um aborto seguro — pois a clandestinidade atinge a todas que abortam fora da lei, mas só coloca em risco a vida das mais pobres."

O trecho acima é parte de uma coluna que escrevi há dois anos. As coisas só pioraram desde então. O PL 1904/24, que equipara o aborto a partir de 22 semanas a homicídio simples, não pode e, ao que tudo indica, não deve ser aprovado. Mas não podemos parar por aqui.

O aborto precisa ser legalizado. As mulheres não vão abortar mais com a legalização, vão só morrer menos.

Abortos feitos de maneira insegura são das grandes causas de mortalidade materna, evitável em 92% dos casos se as condições para realização do procedimento fossem adequadas. Legalizar o aborto é cuidar das mulheres. Se você é a favor da vida, então também é a favor da legalização do aborto.

As três Marias

Maria engravidou. Maria não engravidou sozinha. Não se engravida sozinha: por meios naturais, é necessário um homem para que uma mulher engravide.

Maria são três.

Maria Um é rica. Engravidou do namorado, por descuido. Deixa eu te sentir um pouquinho, vai. Ela cedeu.

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Maria Dois é pobre. Engravidou do namorado, por descuido. Deixa eu te sentir um pouquinho, vai. Ela cedeu.

Maria Três também é pobre. Foi estuprada. Sem camisinha, claro. Teve medo, não contou para ninguém. Era virgem.

Maria Um está na faculdade. Namora há pouco tempo, alguns meses, só. O namorado vai fazer intercâmbio. Ninguém quer mudar os planos.

Maria Dois há uns anos terminou o fundamental. Está desempregada há sete meses; consegue, às vezes, uns bicos de diarista. O namorado pinta prédio; ela tem medo de que caia do andaime. Se caiu, ela não soube. Ele sumiu depois da gravidez.

Maria Três está no sétimo ano. É boa aluna. Na sua família, é a que chegou mais longe. Seu sonho é terminar o ensino médio.

Maria Um quer abortar. Quer terminar a faculdade; não estava em seus planos criar filho sozinha. Quer constituir família só mais pra frente, com a profissão já garantida.

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Maria Dois quer abortar. Não tem condições de criar outro filho; já tem dois, e está difícil. Do futuro, só Deus sabe.

Maria Três carrega no ventre o fruto de um estupro. Foi no posto que descobriu, o médico pediu o exame. Mas disseram: agora já está tarde para abortar. Tem que ter o filho. Alguém disse que é a lei, alguém disse e ela acreditou.

Maria Um pediu dinheiro pro pai. Foi a uma clínica que nem parecia clandestina. O namorado acompanhou. Deu tudo certo.

Maria Dois perguntou pras amigas. Agulha de tricô, disseram. Sangrou e doeu. É assim mesmo, a amiga falou.

Maria Três continuou grávida aos doze anos do homem que a estuprou.

Maria Um continuou a faculdade. O namorado foi pro intercâmbio. Depois voltou, mas cada um já tinha tomado seu rumo. Seguiram amigos. Ela se formou, ele também.

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Maria Dois continuou sangrando em casa. Teve medo de ser presa se fosse pro hospital.

Maria Três saiu da escola.

Maria Um, oito anos depois, teve gêmeos. É feliz.

Maria Dois morreu.

Maria Três foi mãe aos treze de um filho sem pai. O homem que a estuprou. Nunca conseguiu namorar. Não teve mais filhos. O que teve, foi preso aos dezoito.

Marias são infinitas.

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*Uma versão desta crônica foi publicada em 2017 no portal Infame, mas infelizmente segue atual.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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