Natalia Timerman

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Opinião

Tove Ditlevsen, a lista do New York Times e a autoficção

Um dos livros listados entre os 100 melhores do século 21 pela revista New York Times não foi publicado no século 21, mas no 20. O critério único de que a publicação em inglês fosse a partir do ano 2000 contemplou a "Trilogia de Copenhagen", da dinamarquesa Tove Ditlevsen, com o anacronismo.

O lapso não deixa de ter razão de ser. Apesar da data anterior de publicação, foi possivelmente a onda das escritas de si, que tem como expoentes a francesa Annie Ernaux, ganhadora do Nobel, e o norueguês Karl Ove Knausgård, que ensejou a tradução dos três volumes para o inglês (os dois primeiros já tinham sido publicados em 2019). É com esses autores, aliás, que Ditlevsen tem sido comparada pela crueza com que expõe a própria vida, e também com Elena Ferrante, pela semelhança temática e formal (a amizade entre mulheres, a mobilidade social pela escrita — comum também a Ernaux —, as agruras do casamento e a evolução de tudo isso ao longo do arco de uma vida).

Corrobora a hipótese de que o interesse pelas escritas de si ampliaram a recepção a Ditlevsen o fato de que, embora ela tenha publicado mais de vinte livros, foi com o que escreve a partir dos fatos da própria vida que se consagrou internacionalmente, bem após sua morte. Ainda assim, a narradora de sua trilogia afirma: "De alguma forma, é sobre mim, embora nunca tenha vivido as coisas pelas quais passam as personagens", referindo-se à sua prosa de ficção e sua poesia.

"Infância" e "Juventude" foram publicados em 1967, mesmo ano em que o escritor francês Roland Barthes proclamava a morte do autor e dois anos antes da sentença ser confirmada pelo filósofo francês Michel Foucault. "Dependência" saiu em 1971, cinco anos antes da morte de Ditlevsen e seis antes de Serge Doubrovsky cunhar o termo "autoficção". Mas Tove não estava preocupada com nada disso. Estava ocupada apenas em escrever.

"Quando escrevo não tenho consideração por ninguém. Não posso", atesta a dinamarquesa. Essa frase poderia ter sido escrita por Knausgård, por exemplo, mas as semelhanças entre eles não passam muito daí. Seja por que motivo for, a publicação da "Trilogia de Copenhagen" em outros idiomas e no ano passado em português, com tradução de Heloisa Jahn e Kristin Lie Garrubo, merece ser celebrada.

A honestidade de Tove Ditlevsen é tão brutal que não parece um efeito; imagens ao mesmo tempo singelas e surpreendentes compõem, com ritmo preciso, a figura dessa personagem que coincide com sua autora, a quem nos percebemos afeiçoados principalmente em "Dependência", ao narrar com minúcia sua derrocada pela dependência de opióides.

É pelos filhos, mas também pelos livros que ainda não escreveu, que Tove Ditlevsen tenta com toda força se manter abstinente. Se há autores que, como Annie Ernaux, vivem para escrever, aqui temos uma, magistral, que escreve para viver.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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