As Olimpíadas e a superstição: os esportes nos aproximam dos deuses
Confesso: sou supersticiosa nos esportes. Aprendi desde cedo que gol não se seca, e se alguém entrou na sala e o Corinthians marcou, que essa pessoa fique exatamente ali até o fim do jogo.
Seguindo a mesma lógica, se chego quando o Brasil acabou de pontuar no vôlei feminino das Olimpíadas, por lá fico, mas se dou de cara com um arremesso que não encontrou a cesta, me sinto responsável e acho por bem me retirar até que o tempo termine.
Foi por isso que, na última manobra de Rayssa, fechei os olhos, tapei os ouvidos e fabriquei um zumbido que me impedisse de escutar os sons de fora. Deu certo, sempre dá, exceto todas as vezes em que não (mais ou menos 50%). O esporte nos deixa perto dos deuses, tanto quem pratica quanto quem assiste - a superstição sendo a chance de ser superpoderoso sentado no sofá.
Poucas experiências humanas nos colocam tão perto do limite e nos ensinam tanto sobre dor, sobre derrota e superação como os esportes. E também sobre a transitoriedade e a relatividade das coisas - em nossa lógica familiar, por exemplo, bronze é melhor que prata, tem gosto de vitória, não de derrota.
As Olimpíadas dão um gosto diferente aos dias. Na sala de espera de um exame, meu filho e eu acompanhávamos o vôlei junto de todas as outras pessoas que estavam ali, cada uma por um motivo diferente; eu mesma sentei pela primeira vez na sala de espera do meu próprio consultório e atrasamos para a consulta, a próxima paciente e eu, só para ver o solo que deu a Rebeca Andrade a prata.
Foi num restaurante de beira de estrada com estranhos que vimos Gabriel Medina surfar a onda perfeita, todos os olhos do recinto se voltando maravilhados para o mesmo lugar, e a notícia do ouro da incrível Beatriz Souza no judô veio quando ouvimos a gritaria na sala ao lado.
Claro que nem sempre é tão bonito. Ali mesmo onde só se ganha com trabalho em equipe, transborda machismo (como assim, uma atleta é acusada de abandonar seu filho? Isso já aconteceu com algum homem alguma vez na história das Olimpíadas?), e transborda também transfobia (porque chamar mulheres, cis ou trans, de mulheres é o mínimo do mínimo, o que não nos impede - e, aliás, nos convida - a pensar sobre a diferença de performance entre um corpo cis e um corpo trans, e também sobre o que é, afinal, ser mulher).
Ainda assim, pelo menos enquanto durarem, os jogos olímpicos no topo das notícias proporcionam a falsa impressão de que tudo vai bem. É bom usufruir dela por algumas semanas.
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