Quanta dor precisará haver para que racismo e homofobia deixem de matar?
Um menino morreu. Mais um menino morreu. Um menino pobre e gay. Um menino preto.
A complexidade da situação não se resume a nenhuma das três condições da existência de Pedro, de quatorze anos, mas somente a consideração dessas três condições pode nos ajudar a compreender as camadas de opressão que transtornavam a presença dele na escola. Tarefa difícil, pois o racismo, a aporofobia e a homofobia se confundem na violência de suas manifestações.
A morte de Pedro, aluno do colégio Bandeirantes, é uma triste prova de que o padecimento mental boa parte das vezes não é um fenômeno individual. De que há mazelas coletivas que se manifestam individualmente nas pessoas. De que o racismo e homofobia adoecem, e de que ser preto, pobre e gay no Brasil significa ser inevitavelmente exposto a condições de vida mais estressantes nas minúcias do dia a dia. As consequências dessa realidade disseminada se manifestam de múltiplas maneiras, escancaradas ou escondidas. Pedro tentou mostrar o que continuamos tentando esconder.
Lamentando profundamente, com imenso pesar pela dor de sua família, olho para sua morte, para o que ela simboliza, para o que ela quer dizer. Para o que quis dizer esse menino que vinha sendo humilhado por meninos da mesma idade. Não consigo equiparar o que ele sofria com o que sofrem crianças e adolescentes brancos e ricos quando são vítimas de bullying. Não consigo aproximar sua morte de outras mortes por suicídio que aconteceram em colégios de elite (algumas nesse mesmo Bandeirantes), exceto pelo que elas têm de terrível, de trágico. Tampouco consigo apenas culpar os supostos agressores de Pedro. A intimidação perpetrada por eles, se comprovada, é manifestação de algo muito maior e entranhado. Pedro não é o único. O colégio Bandeirantes não é o único.
A morte de Pedro é parte da mesma engrenagem que mata meninos negros pelas armas de policiais. O racismo (e a homofobia, e a aporofobia) ainda é um monstro grande demais, que abocanha até o que o estava tentando combater. A morte de Pedro ecoa a voz de Lélia Gonzalez quando diz que "o negro está sempre numa escala inferior, padece dos males maiores, carrega uma carga pesada".
Devemos a Pedro uma mobilização intensa e extensa em torno dos significados de sua morte. Devemos a ele todos os esforços para lidar com o racismo, que Grada Kilomba acertadamente descreve como problema branco que os negros sofrem. Devemos reconhecer que se trata de uma guerra que envolve a todos e devemos, sim, pagar, Pedro. Devemos, custe o que custar, reconhecer, de cada um, o direito de existir.
Procure ajuda
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por email, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.
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