Ariana Harwicz: 'A moral de um livro tem que ser sua amoralidade'
"Não escrevo para ser a mulher que sou, escrevo para ser a mulher que não sou", afirmou em entrevista a João Varella a escritora argentina Ariana Harwicz, cuja prosa perturbadora desestabiliza - ou mesmo destrói - os fundamentos da ideia de família.
Harwicz se consagrou já com "Morra, Amor", publicado no Brasil pela editora Instante com tradução de Francesca Angiolillo. O romance de estreia foi finalista do Man Booker Prize e está sendo adaptado ao cinema, com produção executiva de ninguém menos que Martin Scorsese. Fazendo jus ao título, a narradora, casada e mãe recente, erige sua linguagem ao mesmo tempo vívida e perturbadora a partir do encontro entre o amor e a violência. Tal encontro, ou os escombros do que sobra dele, transpassa também "Perder o Juízo", seu quinto romance, que Harwicz está lançando no Brasil com tradução de Silvia Massimini Felix. Trata-se de um romance frenético e asfixiante, narrado por uma mulher compulsiva, irresponsável e aversiva que perde a guarda dos filhos e termina por sequestrá-los.
"A moral de um livro tem que ser sua amoralidade", assevera Harwicz na mesma entrevista. Seu projeto literário poderia ser descrito pela fala de outra narradora sua, a de "A Débil Mental": "Cortaria tudo com minha língua de aço". Pois sua escrita como um todo incomoda, desabriga, transtorna, trazendo à tona o que geralmente se esforça por esconder e recalcar.
Não posso dizer que devorei seus livros: posso dizer que fui devorada por eles. Seus livros, cada um deles, transformam o "decifra-me ou te devoro" em: "decifro-te, e te devoro". Pois sua escrita, destoando de um discurso (e de uma literatura) que aponta o dedo acusatório para o outro, aponta o dedo para esse "eu" que narra. E então para o "eu" que lê. E que pode ser vil, mau, escabroso, terrível.
A consistência de seu projeto literário se reafirma em cada obra. Em "A Débil Mental", que compõe junto de "Precoce" e "Morra, Amor" o que autora chamou de trilogia involuntária, já que os três livros se debruçam sobre a paixão e a maternidade, a vida doméstica em uma cidade pequena narrada por uma filha subverte as expectativas de tranquilidade e tornam-se o seu avesso. Tudo aponta para a ausência de abrigo e segurança onde costumamos pensar que os há. Isso é às vezes mostrado de forma muito simples: "Tem alguma coisa queimando, mamãe".
A monstruosidade do desejo, o incestuoso do amor, o violento do cotidiano: a brutal honestidade da literatura de Ariana Harwicz mastiga o mundo nosso de cada dia e nos devolve os restos. O que faremos com eles é uma resposta que não encontramos em seus livros.
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