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Nina Lemos

Prefeito acusado de estupro sobe nas pesquisas após denúncia. Como pode?

O prefeito de Florianópolis e candidato à reeleição, Gean Loureiro (PMDB), subiu 16 pontos percentuais depois de ser acusado de estupro - Alesc
O prefeito de Florianópolis e candidato à reeleição, Gean Loureiro (PMDB), subiu 16 pontos percentuais depois de ser acusado de estupro Imagem: Alesc

Colunista do UOL

04/11/2020 04h00

Um prefeito é acusado de estupro um mês antes da eleição. O que acontece com ele? Renuncia? Perde apoio da população? Não, sua popularidade sobe. Parece, impossível, mas está acontecendo nas eleições municipais brasileiras.

Semana passada, o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, candidato à reeleição, foi acusado de estupro por uma ex funcionária, que registrou um boletim de ocorrência contra ele. Segundo a mulher, eles tiveram relações sexuais não consentidas duas vezes, entre 2017 e 2019. O prefeito nega as acusações.

Segundo pesquisa do Ibope divulgada ontem e feita depois da divulgação da denúncia, Gean ganhou 16 pontos percentuais depois de ser acusado. Como?

Não sabemos ainda se o prefeito é culpado, ele precisa ser julgado com toda seriedade. Mas uma acusação de estupro não é algo que deveria fazer os eleitores ficarem ao menos desconfiados? Ou ser acusado de estupro pode até gerar votos, já que o homem é visto como "vítima" de uma mulher "vigarista"? Pode ser. Nas redes sociais, alguns eleitores se dizem chocados, mas muito apostam na tese do "homem vítima de mulher golpista".

Tudo piora. Nos últimos dias, fotos do prefeito nu, transando com uma mulher foram "vazadas" na Internet. As fotos, segundo a imprensa local, foram feitas na prefeitura. A mulher que faz a denúncia também diz que os atos ocorreram em local de trabalho.

Sendo ou não estupro, um funcionário público não pode transar em seu gabinete. E o decoro?

As fotos foram vazadas junto com uma cópia do boletim de ocorrência que tem o nome da vítima. O rosto dos dois foi exposto. Isso também é contra a lei, Uma mulher que faz uma denúncia precisa ter a sua identidade e segurança preservada. E, claro, o vazamento das fotos íntimas de Gean também é criminoso.

Deus e família

Enquanto sobe nas pesquisas, o candidato faz o procedimento padrão adotado por homens nessa situação: pede desculpas, fala em família e Deus e aparece com a esposa.

Em um vídeo de esclarecimento, divulgado dia 29 de outubro, ele admitiu ter tido um caso extraconjugal consensual, pediu desculpas à família e afirmou ser "vítima de uma armação covarde". Em um segundo vídeo, divulgado no domingo, Gean aparece ao lado da esposa, agradecendo o apoio de "bispos, pastores e irmãos da igreja evangélica" e agradeceu "a Deus".

A estratégia de passar a ideia de "um pai de família arrependido por fazer "a esposa" sofrer parece estar funcionando - pelo menos é o que mostram as pesquisas.

Escândalos desse tipo são deploráveis, mas não são novidade na política. Nos anos 90, o ex-presidente do Estados Unidos Bill Clinton foi denunciado por abuso por sua então estagiária Monica Lewinsky em plena Casa Branca. Na época, ele também pediu desculpas, apareceu junto com a esposa. Bill sofreu um processo de impeachment e foi absolvido. Uma pesquisa feita pela Gallup em 1999, mesmo ano do escândalo, mostrou Clinton como uma das pessoas mais admiráveis do século XX. Ou seja: sua a vida seguiu e tudo ficou por isso mesmo. Já Monica, que tinha 22 anos na época, ficou para sempre conhecida pelo escândalo.

A gente até pode olhar e pensar: "nossa, como as pessoas eram sem noção, tudo era aceito". Pois estamos em 2020 e acusações de assédio ou violência contra mulher parecem continuar a não valer nada, seja em reality shows ou na política. Triste.