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Nina Lemos

Caso Mari Ferrer: quantas fotos do seu Instagram podem parar no tribunal?

Mariana Ferrer chora em audiência e advogado de Aranha a chama de dissimulada - Reprodução / The Intercept
Mariana Ferrer chora em audiência e advogado de Aranha a chama de dissimulada Imagem: Reprodução / The Intercept

Colunista do UOL

05/11/2020 04h00Atualizada em 29/12/2020 14h27

"Ah, mas quem mandou usar uma saia tão curta?"

Num passado não tão distante, um clichê usado para culpabilizar mulheres em casos de assédio e estupro era colocar a motivação para o crime no "tamanho da saia" que a vítima estava usando. Afinal, a mulher teria "provocado" o homem com a roupa que tinha escolhido naquele dia. Se saiu vestida assim, "alguma coisa queria".

Hoje, em tempos de redes sociais, o machismo pode ser visto em outros lugares, só mudou de forma. A culpa é da "foto sensual no Instagram", pelo menos no entender do advogado Claudio Gastão Filho, que recebe uma justa onda de repudio devido à maneira como conduziu uma audiência com a influencer Mariana Ferrer. Um membro do CNJ classificou a ação como "tortura psicológica".

Ela conta que foi dopada e estuprada no badalado "Café de la Musique", em Florianópolis. O Ministério Público de Santa Catarina fez uma denúncia contra o cliente dele. O cliente de Gastão Filho era o empresário André de Camargo Aranha, que foi absolvido no processo.

No vídeo, divulgado na terça-feira pelo site The Intercept, o advogado brada impropérios contra Mariana segurando fotos que teriam sido publicadas em redes sociais dela.

"Essa foto aqui você diz que foi manipulada e tudo, muito bonita", ele diz. E exibe para os outros três homens que participam da audiência virtual uma imagem da moça de lingerie. Se fosse em outros tempos, ele estaria segurando uma peça de roupa e dizendo: "Olha aqui o tamanho dessa saia!".

Na sequência, depois de dizer que Mariana "vivia de dar show no Instagram", ele passa a mostrar mais fotos da influencer. "Essa aqui foi extraída do site de um fotógrafo. A única foto com "dedinho na boca" é essa aqui", reclama ele.

Sim, ele analisa as fotos com a baba escorrendo pelo rosto. E piora. Com outra foto na mão, ele diz: "Olha aqui" e mostra uma foto, de novo expondo a mulher que está ali na condição de vítima para os homens presentes: "A única foto com posições ginecológicas era a dela".

Mariana (que não estava sendo julgada) argumenta e ele continua: "Mas por que essa foto, Mariana?" Eu respondo: por que ela quer. E não, isso não vem ao caso. Ninguém está "pedindo" para ser estuprada por postar uma foto, seja a foto que for.

O que o advogado faz é uma versão atual descarada de apontar para a saia curta da vítima e dizer para ela: "E aí, provocou, aí tem!" Conhecemos esse jogo. O que ele tenta provar é que ela, ao exercer seu direito de postar a foto que quiser, provoca o estuprador a cometer um crime. "Ela posta fotos sensuais, ela não é séria."

E se não fosse séria? Poderia ser estuprada? Mereceria? Não, é ÓBVIO. Nenhuma mulher pode, quer ou merece ser estuprada, independentemente de qualquer coisa que ela fizer.

Só para lembrar o óbvio: cada um tira a foto que quer e posta onde bem entender. Se alguém posta uma foto de lingerie no Instagram, assim como milhares de mulheres famosas fazem, sabe o que isso significa? Que essa mulher quis postar essa foto. Problema dela. Fim.

Ver fotos de redes sociais sendo usadas para justificar estupro, além de repugnante, é também assustador. Quantas fotos do seu feed poderiam ser usadas contra você se você fosse estuprada por um milionário? E se a tática de usar fotos de redes sociais para culpabilizar mulheres de violência que elas sofreram virar moda?

Isso não pode ser aceito. Mulheres vão continuar postando a foto que quiserem, pelos motivos que bem entenderem. E isso nunca, jamais, pode ser usado como justificativa para assédio ou qualquer forma de violência. Nossos Instagram, nossas regras.