Caso Mari Ferrer: quantas fotos do seu Instagram podem parar no tribunal?
"Ah, mas quem mandou usar uma saia tão curta?"
Num passado não tão distante, um clichê usado para culpabilizar mulheres em casos de assédio e estupro era colocar a motivação para o crime no "tamanho da saia" que a vítima estava usando. Afinal, a mulher teria "provocado" o homem com a roupa que tinha escolhido naquele dia. Se saiu vestida assim, "alguma coisa queria".
Hoje, em tempos de redes sociais, o machismo pode ser visto em outros lugares, só mudou de forma. A culpa é da "foto sensual no Instagram", pelo menos no entender do advogado Claudio Gastão Filho, que recebe uma justa onda de repudio devido à maneira como conduziu uma audiência com a influencer Mariana Ferrer. Um membro do CNJ classificou a ação como "tortura psicológica".
Ela conta que foi dopada e estuprada no badalado "Café de la Musique", em Florianópolis. O Ministério Público de Santa Catarina fez uma denúncia contra o cliente dele. O cliente de Gastão Filho era o empresário André de Camargo Aranha, que foi absolvido no processo.
No vídeo, divulgado na terça-feira pelo site The Intercept, o advogado brada impropérios contra Mariana segurando fotos que teriam sido publicadas em redes sociais dela.
"Essa foto aqui você diz que foi manipulada e tudo, muito bonita", ele diz. E exibe para os outros três homens que participam da audiência virtual uma imagem da moça de lingerie. Se fosse em outros tempos, ele estaria segurando uma peça de roupa e dizendo: "Olha aqui o tamanho dessa saia!".
Na sequência, depois de dizer que Mariana "vivia de dar show no Instagram", ele passa a mostrar mais fotos da influencer. "Essa aqui foi extraída do site de um fotógrafo. A única foto com "dedinho na boca" é essa aqui", reclama ele.
Sim, ele analisa as fotos com a baba escorrendo pelo rosto. E piora. Com outra foto na mão, ele diz: "Olha aqui" e mostra uma foto, de novo expondo a mulher que está ali na condição de vítima para os homens presentes: "A única foto com posições ginecológicas era a dela".
Mariana (que não estava sendo julgada) argumenta e ele continua: "Mas por que essa foto, Mariana?" Eu respondo: por que ela quer. E não, isso não vem ao caso. Ninguém está "pedindo" para ser estuprada por postar uma foto, seja a foto que for.
O que o advogado faz é uma versão atual descarada de apontar para a saia curta da vítima e dizer para ela: "E aí, provocou, aí tem!" Conhecemos esse jogo. O que ele tenta provar é que ela, ao exercer seu direito de postar a foto que quiser, provoca o estuprador a cometer um crime. "Ela posta fotos sensuais, ela não é séria."
E se não fosse séria? Poderia ser estuprada? Mereceria? Não, é ÓBVIO. Nenhuma mulher pode, quer ou merece ser estuprada, independentemente de qualquer coisa que ela fizer.
Só para lembrar o óbvio: cada um tira a foto que quer e posta onde bem entender. Se alguém posta uma foto de lingerie no Instagram, assim como milhares de mulheres famosas fazem, sabe o que isso significa? Que essa mulher quis postar essa foto. Problema dela. Fim.
Ver fotos de redes sociais sendo usadas para justificar estupro, além de repugnante, é também assustador. Quantas fotos do seu feed poderiam ser usadas contra você se você fosse estuprada por um milionário? E se a tática de usar fotos de redes sociais para culpabilizar mulheres de violência que elas sofreram virar moda?
Isso não pode ser aceito. Mulheres vão continuar postando a foto que quiserem, pelos motivos que bem entenderem. E isso nunca, jamais, pode ser usado como justificativa para assédio ou qualquer forma de violência. Nossos Instagram, nossas regras.