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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

UTIs lotadas: jornalista narra diariamente dramas de profissionais de saúde

Profissional de saúde em hospital de Porto Alegre, onde a ocupação de UTIs está em 100% - Daniel Marenco/Folhapress
Profissional de saúde em hospital de Porto Alegre, onde a ocupação de UTIs está em 100% Imagem: Daniel Marenco/Folhapress

Colunista de Universa

17/03/2021 04h00

Uma enfermeira conta angustiada como é a reação dos pacientes com covid-19 quando eles sabem que vão ser intubados. Uma médica intensivista divide o sofrimento de ter visto colegas perderem pais e mães na mesma semana e de também perder amigos.

Essas e outras histórias de profissionais de saúde esgotados, que caem no choro no meio do plantão, mas não param de trabalhar porque estamos no pior momento da pandemia de coronavírus no Brasil, são narradas diariamente pela jornalista e mestra em saúde Larissa Roso no Twitter.

Infelizmente, trata-se da vida real. O que é narrado por Larissa são casos do Rio Grande do Sul, onde mora. Mas, sabemos, essa é a triste realidade de todo o país no momento.

A jornalista gaúcha começou a relatar o que os profissionais da linha de frente estavam vivenciando no dia 23 de fevereiro, quando os hospitais de Porto Alegre começaram a colapsar. E não parou mais. Desde então, ela publica diariamente esses relatos em forma de pequenas crônicas.

Larissa Roso posta no Twitter relatos dramáticos de quem está na linha de frente - Júlio Cordeiro/ arquivo pessoal - Júlio Cordeiro/ arquivo pessoal
Larissa Roso posta no Twitter relatos dramáticos de quem está na linha de frente
Imagem: Júlio Cordeiro/ arquivo pessoal

"Não dá mais para dizer que vai ficar tudo bem"

Os relatos humanos, crus e dramáticos, que nos deixam espiar por dentro das UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) e ver o que se passa, viralizaram. "Minha ideia é mostrar com meu trabalho que, por trás dos números de casos e de mortes que não param de subir, existem pessoas."

As histórias contadas por Larissa são tristes e pesadas, mas necessárias. Uma enfermeira, por exemplo, dividiu com ela o sentimento de não conseguir dar esperanças para pacientes com covid-19 em UTIs.

"Quero compartilhar algo que tem pesado no dia a dia. Normalmente, quando nos preparamos para intubar o paciente, explicamos o processo e o motivo de optarmos por isso. Falamos que vai ficar tudo bem e que tudo vai dar certo. Uma colega ontem falou isso antes do procedimento. Na hora, pensei: 'não posso mais dizer que vai ficar tudo bem. Cada dois a três internados em UTI falecem'."

Uma intensivista dividiu um momento dramático e triste de um jovem casal: "Homem de 25 anos intubado, em estado grave, com a ventilação pesadíssima. Liguei para a esposa dele para comunicar o quadro. Ela falou: 'estamos tentando engravidar e agora eu não tenho coragem de fazer o teste. Não quero descobrir que estou grávida enquanto ele está morrendo'. Mais um dia que eu chorei junto. Pesado demais".

Os profissionais de saúde estão no limite, vivendo dramas de terror todos os dias. Larissa percebeu que eles estavam, também, precisando desabafar.

"Eu comecei a escrever perguntando para os profissionais de saúde que eu conheço, jogando isca. Com o tempo, as mensagens se espalharam e eles passaram a me procurar. Hoje, diariamente profissionais de saúde me enviam mensagens querendo dividir alguma história", diz.

O que vemos é que esses profissionais estão, sim, indo além do que conseguem por amor à profissão e totalmente no limite, porque, como Larissa mostra muito bem em seu trabalho, eles são muito humanos.

"Os dias têm sido pesados, tristes e desanimadores. A temida fase de escolher quem tem chance de lutar e quem fica de fora chegou. E essa escolha cabe muitas vezes a nós, intensivistas. Ninguém está preparado para isso. Eu, que amo o que faço, travo uma luta interna com o desânimo, com o cansaço mental, com o esgotamento emocional. Vi colegas que perderam pai e mãe na mesma semana. Perdi colegas. Acordo de madrugada com mensagens de amigos desesperados porque seus pais precisam ir para a emergência, mas não tem leito. O atendimento demora. E eu não sei o que fazer, a não ser acalmar o que não é possível de calmaria", contou uma outra intensivista

Sim, o médico que diz que um hospital não pode receber um paciente também não é um número, como diz Larissa, mas uma pessoa. E que pessoas...