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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pense na saúde mental do pessoal da saúde antes de sair para "não pirar"

Cristiane Guerra trabalha há um ano na linha de frente da pandemia: "Quando durmo, sonho com os gritos de dor e choro dos pacientes". - Avener Prado/UOL
Cristiane Guerra trabalha há um ano na linha de frente da pandemia: "Quando durmo, sonho com os gritos de dor e choro dos pacientes". Imagem: Avener Prado/UOL

Colunista de Universa

24/03/2021 04h00

"Está cansado de ficar em casa? Pois nós estamos enlouquecendo." A frase foi dita pela enfermeira Cristiane Guerra, diretora de enfermagem do Hospital Estadual Ipiranga, em reportagem publicada nessa terça-feira (23) em Universa. A profissional, que trabalha há um ano na linha de frente da pandemia, relatou como anda sua saúde mental nesse terrível momento, com hospitais colapsando e recordes de mortes: "sonho com o hospital, com o que precisa ser feito. Os gritos de dor dos pacientes, o choro. Mexe muito com a gente." Cristiane tem 48 anos e 20 de enfermagem.

Ela é mais uma das profissionais de saúde a viver diariamente a rotina da catástrofe. Eles lidam com falta de medicamentos, de leitos e com notícias ruins o tempo todo. Em alguns casos, como em uma guerra, precisam atender pacientes no chão, caso de uma foto que viralizou semana passada.

Na imagem, uma enfermeira chora, exausta, ao lado do corpo de um idoso morto. Em outra entrevista dada a Universa, a moça da foto, a técnica de enfermagem Polyena Silveira, explicou como se sentia minutos antes da foto ser tirada, em uma UPA em Teresina (PI). "Esse foi um atendimento que nos deixou exaustos porque foi cansativo, realmente, a posição no chão era muito ruim, desconfortável. Cheguei a comentar com a equipe que meu braço estava tremendo, e me mantive firme até o fim, porque esse é o meu trabalho. Mas o que nos deixou cansados mesmo foi o psicológico, que ficou muito abalado depois."

Na hora da foto, ela chorava. "Fiquei sentada ali uns 5 minutos. Chorei, mas tive que levantar, lavar o rosto e continuar o atendimento, porque lá ainda estavam os outros dez pacientes que precisavam da gente." No trabalho, Polyena tem se reerguer rápido. Em casa, nos poucos dias de folga, é diferente."Quando chego em caso eu desabo", disse.

Cristiane e Polyena certamente são mulheres incríveis. Mas não são super heroínas. Assim como outros profissionais da linha de frente, elas são pessoas de carne e osso, que têm momentos de angústia, ansiedade e medo, como todos nós.

Esses profissionais já enfrentam crises de pânico e insônia. Muitos passaram a tomar medicamentos controlados. Ou seja, a saúde mental deles está em frangalhos. Como bem disse a enfermeira Cristiane, eles "estão enlouquecendo".

Nas inúmeras vezes em que entrevistei profissionais de saúde durante a pandemia, todos relataram o desespero que sentiam quando, na saída de mais um plantão, viam pessoas em bares, na praia, como se nada estivesse acontecendo.

E chega a ser irônico, mas muitos desses que furam o isolamento (e atrapalham ainda mais a vida das enfermeiras e outros profissionais de saúde), usam justamente a saúde mental como desculpa. Ou você nunca ouviu uma amiga dizer que precisava ir à praia "por causa da saúde mental"?. Ou que tinha voltado para a academia para "não pirar?"

Sim, claro, a saúde mental de todos nós é importante e não está fácil lidar com perdas, com medo, com filhos em casa sem aula e home office, desemprego. Está muito difícil. Mas não tem como ignorar esse aviso da enfermeira: "se vocês estão cansados de ficar em casa, saiba que estamos enlouquecendo."

Hora de respirar fundo e realmente ficar em casa. Nem que seja por solidariedade e empatia a esses profissionais. E não, não vale festinha com "todos os protocolos" ou visita a um sítio "com todos testados". Se vocês, por exemplo, sofrerem um acidente de carro, talvez não haja lugar no hospital. Sim, ouvir isso é assustador e pode até provocar "gatilhos". Mas é a realidade do momento. Fazer o quê?