Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Saúde mental está abalada no BBB. E nós, também surtados, assistimos
Na noite de terça-feira, o BBB exibiu um surto nervoso. Depois que a participante Sarah saiu do programa, o economista Gilberto protagonizou momentos de desespero dentro da casa. Quem assistia ao reality pode ver o pernambucano gritando desesperado, com dificuldade para respirar.
Gil teve uma crise doída. Seu sofrimento psíquico era aparente e causava uma sensação estranha em quem já teve uma crise assim. Eu, que sofro de Transtorno de Ansiedade Generalizada entendi muito bem a crise de Gil. O economista não foi o único a ter uma crise emocional no programa ou a apresentar sintomas. O BBB 21 virou o programa da (falta de) saúde mental.
Na mesma edição, Fiuk já passou por momentos de depressão (sua equipe avisou que ele estaria com abstinência de antidepressivo e sofria de Transtorno de Déficit de Atenção). Lucas Penteado saiu do programa em meio a uma crise. Juliette já disse que toma remédio para ansiedade. E, claro, Karol Conká saiu do programa colocando a culpa de todos os seus erros em sua saúde mental e avisando que iria procurar terapia.
Nesse BBB as pessoas estão mais suscetíveis a crises... Ou nós, telespectadores, que estamos enxergando isso mais, já que, no meio de uma pandemia, também não estamos com a saúde mental lá essas coisas?
Segundo o psicanalista Paulo Beer, as duas coisas são possíveis. Nós, telespectadores, não estamos nada bem. "Estamos, principalmente no Brasil, vivendo uma situação que coloca todos no limite. Estamos sentindo um grande desamparo", diz em entrevista à coluna.
Os participantes do programa provavelmente estão ainda mais suscetíveis a crises do que nós. Além de serem brasileiros e terem entrado no programa já na pandemia, ainda são colocados em situações limites dentro do programa. "O Big Brother é um programa com um componente sádico muito grande, eles criam todas as condições para que a pessoa se desestabilize. Esse é um dos objetivos do programa", lembra Paulo.
De perto ninguém é normal
Fora de casa, também estamos por um fio. Muitos de nós estão apresentando sintomas de ansiedade e depressão, assim como alguns participantes do programa. E, para relaxar, assistimos um programa onde os participantes surtam. "Saudável", não?
Segundo o psicanalista, naturalmente esse tipo de programa provoca uma grande identificação nossa com os personagens. "Gostamos de ver e imaginar como reagiríamos na mesma situação limite. Agora que estamos em casa, trancados, essa identificação pode ser ainda maior."
E também nos identificamos com alguns surtos, claro. Afinal, também sentimos vontade de gritar.
Um dos surtos de Gil deixou claro pra mim o quanto nos identificamos com suas crises. Depois de uma briga com Karol Conká, o economista saiu gritando pela casa: "eu estou indignado, me tira daqui! Eu não aguento mais!". Essa cena viralizou. Faz sentido, afinal, não é assim que muitas pessoas se sentem no momento no Brasil, com vontade de gritar "me tira daqui?"
Segundo o psicanalista, é possível que alguns de nós se identifiquem com essas crises. "Muitos, ao ver essas cenas, sentem um certo alívio, um pensamento do estilo "pelo menos não é comigo. Outros, podem ver como uma libertação, já que este tipo de atitude não é bem aceita na nossa sociedade." E aqueles que riem e fazem piada da dor? "Esses provavelmente são pessoas que não aceitam que também podem surtar. Então, passam para a ridicularização", explica o psicanalista.
E será que somos todos sádicos de ver um programa desses, com pessoas em crise?
"Assistir pessoas submetidas a situações ruins, além de ser sádico, é masoquista, já também nos causa mal-estar, sentimos vergonha alheia, constrangimento".
E gostamos de sentir isso. E vemos de novo. Todos os dias.
Quem somos nós para julgar os surtos dos participantes do BBB?
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