Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Caso Henry: babá sendo cobrada por crime representa inversão de valores
Desde que soubemos do assassinato do menino Henry, que morreu possivelmente em decorrência de ferimentos que teriam sido causados por agressões que ele sofreu do padrasto, o médico e vereador Dr. Jairinho, estamos revoltados com tanta brutalidade. É inaceitável que uma criança de quatro anos seja alvo de tanta crueldade e violência. Estamos também revoltados com os adultos que permitiram que tal crime acontecesse. Normal. Reagimos ao horror.
Mas, nesse meio tempo, o foco da raiva tem se voltado a uma mulher que não parece ser a culpada do que aconteceu: Thayná Oliveira Ferreira, que trabalhava como babá do menino.
O que ela fez contra Henry? Pelo que sabemos, nada. Pelo contrário. Foi Thayná quem contou para a mãe do menino, Monique Medeiros, que ele sofria agressões e tentou protegê-lo. Em uma troca de mensagem, demonstrou que gostava e se preocupava com o garoto. Mesmo assim, Thayná foi botada no rol dos culpados depois de ter mentido para a polícia em seu primeiro depoimento. Thayná teria negado para a polícia que Henry sofria agressões. Em depoimento recente, ela confirmou as violências e disse ter sido pressionada pela patroa para mentir.
Em relato enviado por sua advogada ao UOL, Thayná desabafou que teme por sua saúde mental e por seus parentes. "Eu só quero estar reclusa cada vez mais e ser esquecida. Eu só rezo todos os dias para que isso seja resolvido o mais rápido possível". Thayná teria também chorado durante o depoimento ao falar do menino e dito que ele era uma criança muito carinhosa e que ela sentia saudades.
Sim, Thayná errou ao mentir no primeiro depoimento. Mas alguém pode imaginar sob que pressão? Empregadas domésticas são em geral tratadas como subalternas pelas famílias brasileiras e submetidas a abusos. Nesse caso, é fácil imaginar o quanto ela foi pressionada para não "encrencar" o patrão. Além de tudo, ela parece que realmente se preocupava com o menino de quem cuidava todos os dias.
Por que tem muita gente focando o ódio e a indignação na babá, uma mulher que trabalha na casa, em vez de pensar na punição efetiva do verdadeiro responsável pelas agressões, o Dr. Jairinho? Será o velho preconceito contra babás e outras empregadas domésticas?
A gente já sabe que homens ricos e poderosos, cheios de contatos, costumam escapar fácil da justiça. Por isso, podemos cobrar que o mesmo não aconteça com Jairinho que, por sinal, continua sendo vereador da cidade do Rio de Janeiro. Na última quarta-feira (14), uma juíza negou um pedido de afastamento do vereador. Ou seja, apesar de preso e suspeitíssimo, o Dr. Jairinho ainda recebe salário, que é pago com o dinheiro da população, e tem cargo de "representante do povo".
Todos nós temos muito o que cobrar nesse caso. Não podemos aceitar que o acusado de matar uma criança continue sendo vereador.
E, se ele for condenado, também não podemos deixar que Dr. Jairinho volte a se candidatar, por exemplo. Sim, pode acontecer. O goleiro Bruno tem fãs e toda hora arruma um trabalho, lembram? Não vamos esquecer disso.
E, ao mesmo tempo, devemos realizar o desejo de Thayná e deixar que essa passagem da sua história seja esquecida. Ela, provavelmente, nunca vai conseguir esquecer os horrores que presenciou. É, nessa história, Thayná parece ser mais vítima do que culpada. Que tal deixá-la em paz?