Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Fiuk, vem sair da bolha e se desconstruir aqui fora
Antes de entrar no BBB, como revelou o Universa em janeiro, o cantor Fiuk fez uma série de cursos para se "desconstruir". Ele não queria ser politicamente incorreto, racista ou machista. Para isso, fez aulas com as historiadoras Carol Sodré e Laís Roberta. Munido de boas intenções e de vontade de pegar bem, ele tentou aprender mais sobre racismo, diferenças de corpos e feminismo.
Em parte, talvez tenha funcionado. O cantor chegou à final. E, se seu grande medo era ser "cancelado" (o grande terror de rapazes brancos de classe alta como ele), hoje ele pode respirar aliviado. Fiuk não será lembrado como um grande babaca ou um vilão. Mas como um cara que é gente boa só que extremamente sem noção do próprio privilégio.
A passagem de Fiuk pelo reality serve para dar esse recado para jovens rapazes privilegiados como ele que querem se "desconstruir": aula e leitura não são o suficiente se você não tentar sair da bolha e não olhar para o lado.
Meses depois de fazer os cursos, Fiuk pediu votos para ganhar o programa alegando que precisava do dinheiro. Seu discurso, com voz embargada, dizendo que precisava do prêmio de um milhão e meio, devia ganhar o troféu "falta de noção" de toda a edição do BBB.
"Ao contrário do que muita gente pensa, eu tive muitos problemas, tive que vender minha guitarra, meu carro, meus instrumentos, até computador nessa pandemia. E eu arrisquei minha vida aqui.", disse.
Com esse seu discurso no final, Fiuk deixou claro que, por mais que tenha estudado, não sabe nem o que é realmente ter problema financeiro e nem o que é arriscar a vida.
Segundo pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pensam), 19 milhões de Brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios do país viveram "insegurança alimentar" no fim de 2020. Segundo o IBGE cerca de 14,3 milhões de pessoas estavam desempregadas.
Milhões de brasileiros, inclusive alguns artistas, estão passando necessidades reais. São pessoas que não têm o que comer. Fiuk falar que precisa de dinheiro e se fazer de coitado porque precisou vender "guitarra e até computador" em um contexto desses chega a ser apavorante.
Além dos cursos, os meses que passou no BBB poderiam ter ajudado Fiuk a sair um pouco da sua bolha, já que foram quatro meses ao lado de pessoas de realidades diferentes. Muitas delas vieram de famílias pobres, como Camilla, João, Gil e Juliette. Mas, pelo jeito, não serviu para nada.
Fiuk fez o discurso do "rapaz em necessidade" depois da colega Camilla de Lucas falar que precisava do prêmio para ajudar sua mãe, que trabalha como faxineira em um shopping, a se aposentar. Ele não escutou?
Então, Fiuk, uma das coisas mais irritantes em rapazes privilegiados brancos é justamente a falta de capacidade de escutar.
Na vida real, Fiuk, não basta usar vestido e pintar a unha de preto para mostrar que não é um cara heteronormativo qualquer nem um playboy sem noção. De que adianta estudar racismo e gênero se você não olha para o lado e não escuta o que as pessoas dizem?
Fiuk teve bastante tempo para repensar seus privilégios, mesmo que seja dentro de um programa de TV. Mas, pelo jeito, continua habitando a mesma bolha. Ainda dá tempo, Fiuk.