Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Até quando mulheres serão julgadas e repreendidas pelas roupas que usam?
Há 60 anos, mulheres foram às ruas e queimaram sutiãs, em uma demonstração pela liberdade feminina. Na mesma época, foi lançada a minissaia, um símbolo da libertação feminina. Em 2021, mais de meio século depois, mulheres estão sendo repreendidas no Brasil e no mundo pelas peças de roupa que usam.
Isso não é exagero, nas últimas semanas tem acontecido uma onda de denúncias de mulheres que foram repreendidas pelas roupas que usam em público. Na sexta-feira passada (7) a estudante Ana Paula Benatti, 22, recebeu um bilhete, colocado embaixo da porta do seu apartamento em Maringá, no Paraná. O bilhete pedia que ela parasse de "usar roupa vulgar" nas dependências do prédio onde vive e foi escrito por um vizinho. Ana Paula divulgou o caso nas redes sociais e deu queixa na delegacia por constrangimento.
Hoje (13) pela manhã, a apresentadora Eliana apareceu entre os termos mais buscados no Brasil, segundo o Google Trends. O motivo? Ela postou em seu Instagram uma foto descontraída no camarim, com a legenda "Meu esconderijo atrás do palco". Mas muita gente reparou, claro, na roupa dela. As manchetes optaram por títulos como "De minissaia, Eliana aposta em foto ousada e arranca elogios".
Na semana passada, a funcionária pública Patrícia Nogueira fazia uma caminhada no Lago Paranoá, em Brasília, quando foi repreendida por um segurança, por andar de short e top de biquíni (!). O dia estava quente e, apesar do biquíni ser considerado "indecente", homens passavam por ela sem camisa, bem à vontade e relaxados. Durante a abordagem, chocada, Patrícia passou a filmar o segurança e perguntou por que ele não repreendia também os homens sem camisa. O segurança confirmou que "mulher de biquíni não pode", mas que homem sem camisa "não tem problema".
Em março, também em Brasília, a técnica de laboratório Najhara Noronha, de 36 anos, estava em casa, estudando, quando recebeu um email com o título: "Solicitação de vestuário apropriado", assinada pelo "Conselho de Mulheres" do condomínio onde ela mora. No texto, as vizinhas pediam que ela não circulasse pelo condomínio com roupas que não eram apropriadas, como "shortinhos" e roupas de ginástica, porque isso constrangia os "casais do condomínio".
É realmente difícil de acreditar que retrocedemos a esse ponto. O que esses fiscais de roupa feminina querem, que a gente se cubra para assim não "incomodá-los" mais? Querem proibir a minissaia e checar o tamanho dos nossos shorts?
É curioso que esses fiscais de corpo se sintam encorajados a abordar mulheres por causa das suas roupas assim tão descaradamente. Se eles fazem isso, deve ser porque sentem permissão para fazer isso. Afinal, esse é o país onde "meninas vestem rosa, meninos vestem azul. O mesmo lugar onde a "bela, recatada e do lar" é vista por muitos como o símbolo da "feminilidade aceita".
A culpa é da minissaia
É chocante que mulheres repreendam uma vizinha por suas roupas, que "provocam maridos", e que um homem ache que pode mandar um bilhete para uma mulher reclamando das roupas dela. Mas isso também não é nenhuma novidade.
Há anos, as roupas das mulheres são usadas como justificativa para violência e assédio. Se um homem passa a mão em uma mulher, bem, quem mandou ela usar uma saia tão curta? Se uma mulher ouve frases de baixo calão de um homem na rua, "deve ser porque ela quer, senão não usaria um shortinho desses."
É chato ter que falar isso em 2021: mas se usamos uma saia curta, um short curtíssimo ou um biquíni micro, isso é porque a gente quer. Nossas roupas são problemas nossos e não podem ser justificativas para assédio.
Inclusive, nenhuma mulher gosta de ser assediada. Será que teremos que lutar de novo pelo direito de usar minissaia e queimar sutiãs nas ruas?