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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Após ser afastado por assédio, Cury ganha cargo. 'Não fui única', diz Penna

O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) - Arquivo Agência Alesp
O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) Imagem: Arquivo Agência Alesp

Colunista do Universa

19/08/2021 04h00

Em dezembro passado, cenas do sistema de TV que transmite as sessões da Assembleia Legislativa de São Paulo causaram choque e horror. Nas imagens, o deputado Fernando Cury (Cidadania) assediava a também deputada Isa Penna (PSOL) em pleno plenário. Nas imagens chocantes, ele coloca a mão nos seios da colega. Em sua defesa, ele disse que se tratava de "uma gentileza". Mas as imagens estão lá e todos vimos.

Agora, mais um assombro. Cury foi eleito conselheiro do Conselho da Criança do Adolescente do Estado de São Paulo (Condeca). Sim, ele foi "escolhido", ganhou algo. Claro, tudo fica mais sério pelo fato de um acusado de assédio virar conselheiro de um órgão que cuida de crianças e adolescentes, tão vulneráveis a abusos. No momento, Cury está afastado da Assembleia, já que foi suspenso pelo Conselho de Ética por importunação sexual.

É isso mesmo. Um afastado por assédio ganhou um cargo em um órgão que cuida de interesses de vulneráveis.

"Todos nós sabemos que não foi só comigo que ele cometeu assédio. Um homem que assedia já fez o mesmo com outras mulheres. É por isso que quando há uma denúncia várias outras denúncias aparecem", disse Isa Penna à coluna.

A deputada estadual Isa Penna (PSOL), que processa Fernando Cury por assédio sexual - José Antonio Teixeira/Alesp - José Antonio Teixeira/Alesp
A deputada estadual Isa Penna (PSOL), que processa Fernando Cury por assédio sexual
Imagem: José Antonio Teixeira/Alesp

A deputada, que processa o colega judicialmente, estava chocada com a notícia da do novo trabalho de Cury, mas não exatamente surpresa. "Ele é muito poderoso porque é rico e filho de coronel", disse.

"Ele representa um perigo, primeiro porque nunca reconheceu seu ato de assédio. Ele tem poder porque ele é rico e filho de coronel", disse. "As instituições precisam garantir que crianças e adolescentes uma proteção contra uma pessoa que foi flagrada em um ato de violência sexual contra uma mulher", disse.

Segundo a deputada, o Cury não cumpre sua "punição" e não está afastado da Assembleia. "Ele manteve dez assessores trabalhando, visita prefeitas. Ele só não pôde ir à tribuna, mas manteve sua estrutura e manteve suas atividades", disse.

Agora, com o lugar no conselho, a impressão que fica é de que, mesmo suspenso por um crime tão grave, o deputado foi "condecorado".

Esse não é o primeiro homem brasileiro a ser premiado depois de cometer assédio e violência contra mulher. Quem é acusado de abuso ou de agredir mulheres ganha espaço em realities shows e se destacam (caso de Dado Dolabella, acusado de agredir Luana Piovani, que venceu "A Fazenda" ) e do cantor Biel (acusado de assédio e agressão, ficou em segundo lugar também na "Fazenda"). Existem muitos outros e poucos que de verdade foram punidos.

Esse é quase um padrão no Brasil. A gente até já está acostumada. Mas que isso aconteça em cargos públicos é um escárnio. A impressão que dá é que nossos corpos e nossa dignidade não valem nada.

A respeito da eleição de Cury para o Conselho do CONDECA, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social divulgou a seguinte nota:

"A Secretaria de Desenvolvimento Social não tem responsabilidade sobre as eleições do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente do Estado de São Paulo (Condeca). O órgão é independente, formado por 40 membros (sendo 20 titulares e 20 suplentes) representantes do poder público e da sociedade civil. A eleição de seus membros ocorre de forma completamente autônoma do Governo do São Paulo e é realizada por 453 representantes de organizações da sociedade civil ligadas à defesa dos diretos das crianças e adolescentes. Na eleição realizada no dia 15 de agosto, Fernando Cury foi um dos 40 membros eleitos. Legalmente, a pasta não pode interferir na decisão. Nenhum conselheiro é remunerado."