Marília Mendonça: não importa nossos feitos, falarão da nossa aparência

Marília Mendonça morreu precocemente e tragicamente na sexta-feira (5). E, entre as muitas homenagens a ela, tem gente que não consegue parar de falar da aparência da cantora.

O recado para nós, mulheres, é claro e estarrecedor: não importa o tamanho dos nossos feitos, sempre vão falar dos nossos corpos e de nossa aparência. E não, Marília Mendonça não era modelo! Ela era cantora, compositora, excelente letrista. Se o mundo fosse normal, só viria ao caso falar do corpo de uma pessoa se ela trabalhasse com isso, certo?

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Em apenas 26 anos (!) a cantora Marília Mendonça colecionou conquistas e bateu recordes. A garota, que veio de uma família simples e sem parentes importantes, foi indicada ao Grammy, virou a cantora mais tocada no Spotify mundial (tocou mais que Madonna e Adele) e fez parcerias com os nomes mais importantes da música brasileira, como Gilberto Gil e Gal Costa.

Mas o mundo ainda está bem longe do ideal. E desde que Marília morreu, muita gente, na maioria das vezes homens, não consegue se controlar. Seu corpo sempre volta a ser assunto.

Ontem (7), em seu programa dominical, o apresentador Luciano Huck, do nada, no meio de uma homenagem comovente, fez a seguinte "piada" ao falar sobre uma apresentação de Marília, Maiara e Maraísa em seu programa: "Estava lembrando agora. Faz três semanas que eu estava com as três no palco. Três semanas. Na verdade vieram só metade das três no palco, porque estavam as três magrinhas."

Luciano falou disso depois da Folha de S. Paulo ser super criticada por publicar, no sábado (6), um texto onde o historiador Gustavo Alonso escreveu que Marília era "gordinha" e "fora do padrão". Ou seja, Luciano sabia que esse era um assunto complicado. Mas ele não conseguiu se controlar. Por que será?

Arrisco uns palpites. Para homens héteros como o apresentador, o autor do artigo e todos os outros que fizeram esse tipo de comentário, falar sobre corpo de mulheres é automático. Eles nem reparam que fazem isso.

Esses homens se acostumaram a achar que podem dar esse tipo de opinião e fazer essas piadas. Foram criados achando que cabe a eles aprovar ou não nosso corpo e nossa aparência. É difícil explicar para esses sujeitos que eles não têm esse direito. E que, claro, a nossa aparência, além de não ser da conta deles, não é o mais importante.

"Agora que ela emagreceu?"

Mas não são só os homens que valorizam demais a aparência das mulheres. Na manhã desta segunda-feira (8), enquanto fazia uma pensata sobre a tragédia, a apresentadora Ana Maria Braga comentou em seu programa: "Você vê, ela fez tanto para chegar nesse shape lindo, ela emagreceu e de repente morre."

Como se ter emagrecido fosse um feito de Marília. A fala de Ana Maria queria dizer algo do estilo: "olha como é a vida: você faz esforço para emagrecer e justo nessa hora morre!" Segundo a sua lógica, ser magra significa estar em uma das melhores fases da vida. Não, não é assim.

A pressão estética, apesar de também atingir os homens, algumas vezes, é muito pior para as mulheres. Sendo óbvia: quando um astro da música morre, seu corpo não costuma ser discutido.

"Ah, mas falavam do Tim Maia, do Elvis", argumentam alguns. Mas gente, o Tim morreu há 24 anos. O Elvis, nos anos 70. A gordofobia, além de ser mais forte no caso das mulheres, é um assunto que passou a ser mais discutido recentemente e nós, mulheres, estamos cada vez mais conscientes das pressões que sofremos. E vamos repetir o quanto for necessário que Marília deve ser lembrada por sua voz, suas letras, seu talento e a mulher incrível que foi.

Ela era (e é), assim como todas nós, muito mais que um corpo. É chocante que a gente ainda tenha que falar isso.