Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Machismo antes e agora: Pamela Anderson não autorizou série sobre sex tape
Em 1995, a atriz Pamela Anderson, famosa por "SOS Malibu" e uma dos maiores sex symbols dos anos 90, estava de lua de mel com o então marido, o músico Tommy Lee. Os dois passavam dias em um iate e, para marcar a data, decidiram fazer uma fita dos dois fazendo sexo. Era para ser pessoal, entre eles. Mas a tal "sex tape" foi roubada da casa dos dois como vingança pelo carpinteiro Rand Gauthie (que tinha feito uma obra na casa de Tommy e brigado com o roqueiro). E se espalhou mundo afora.
Esse é um escândalo de vazamento de vídeo íntimo da era pré internet. As fitas foram comercializadas mundo afora em VHS. Se fosse hoje, a gente ia dizer que o vídeo "viralizou". Sem controle, os dois decidiram abrir mão dos direitos autorais. Essa história horrível, e também o relacionamento dos dois e o clima misógino da cena de rock dos anos 90, são o tema da série "Pam e Tommy", em cartaz no Disney Plus, com Lily James no papel de Pamela.
A série coloca luz em muitos dos absurdos do caso e mostra que muita coisa mudou de lá para cá.
Na época, não se falava em machismo e hiper sexualização das mulheres. Pamela tinha ficado famosa como um símbolo sexual, ao estrelar o seriado Baywatch, onde era um salva vida sexy e passava 90% das cenas vestindo um maiô cavado e corria em câmera lenta. Quando a fita vazou, ela já tinha sido capa da Playboy. Resultado: ninguém pensou nela ou a defendeu.
Logo na abertura da série, é exibido um trecho de uma entrevista de Pamela ao programa Jay Leno. Ali, ele faz piada na cara dela sobre a fita e fala, no maior estilo babão: "eu vi a fita". E ela tem que rir e fingir que está tudo bem. A maneira como ela é tratada como objeto também fica clara na série, assim como a masculinidade tóxica dos roqueiros como Tommy Lee.
Boa parte disso seria impensável hoje, 30 anos depois.
Só que tem um detalhe importante. Pamela não foi consultada sobre a série e, segundo seus amigos, está destruída por ver o pior momento da sua vida sendo exibido novamente. Ou seja, sua vida privada e sua dor estão servindo novamente de entretenimento.
Imagine o mundo todo ver um vídeo de você fazendo sexo com o seu marido? Agora, imagine todo mundo lembrando disso (e procurando o vídeo para assistir, claro) 27 anos depois?
Enquanto o seriado faz sucesso (e, sim, ele é bom), amigos de Pamela, como a cantora Courtney Love se revoltam, dizendo que a atriz está arrasada, sofrendo pela segunda vez a mesma dor. Eles repetem que ela não foi consultada para nada sobre o seriado.
Ou seja, a ideia de que uma mulher que é símbolo sexual e já posou nua várias vezes gostosona não tem direito sobre a sua imagem ou sentimentos continua atualíssima 27 anos depois. E, dor e abuso feminino servem de entretenimento e geram lucros.
Se vale a pena assistir a série? Sim, é interessante entender como o submundo do comércio de vídeos de sexo surgiu e virou o que é hoje. Mas, sabendo que Pamela não foi consultada para a série, é impossível assistir sem pensar que estamos matando nossa curiosidade e nos entretendo em cima da dor de uma mulher.
Mais um detalhe. Na série, até agora (apenas quatro episódios) Pamela e Tom vivem um romance tempestuoso e glamouroso. Mas o fim da história não é feliz. Eles se separaram depois que ela o acusou de violência doméstica.
Isso, assim como a dor do vazamento da fita, aconteceram na vida real. Ou seja, Pamela está sendo obrigada a reviver emocionalmente um relacionamento que, provavelmente, tenta esquecer.
É triste ver que ela sofreu abuso do ex, do carpinteiro que comercializou a fita e agora de todos que decidiram fazer uma série sobre esse momento horrível de sua vida.
É triste, mas parte do desrespeito e do machismo não mudou tanto assim em 30 anos.
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