Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Melhem: estratégia de pôr a culpa nas mulheres é típica de machos abusivos
Desde que o ator e diretor Marcius Melhem foi acusado de assédio, oito mulheres já depuseram à polícia contra ele. Uma delas, a atriz Dani Calabresa, assumiu publicamente ser uma das vítimas, com todo o ônus que uma atitude dessas traz.
O caso virou escândalo nacional, teria causado a demissão do diretor da Globo e essas mulheres, além de lidarem com os gatilhos que uma situação dessa traz, ainda arriscaram seus empregos. Denunciar um abuso sexual não é algo que a gente acorde e decida fazer do nada. Muito menos quando ele é um executivo poderoso. E muito menos quando o caso ganha repercussão nacional.
Mas, segundo a defesa de Marcius Melhem, de acordo com reportagem publicada na segunda-feira (14) na revista "Piauí", todo esse escândalo - que mobiliza executivos da Globo, advogados e a imprensa - foi causado por um motivo prosaico e muito usado como desculpa por acusados de abuso: duas mulheres vingativas teriam resolvido armar contra o "coitado" do diretor e ator.
A mulher vingativa é uma personagem muito usada na ficção e na realidade para retratar mulheres que "perdem a cabeça" e usam toda uma variedade de maldades.
Nesse caso, a trama, segundo a reportagem da Piauí, teria sido armada por Dani Calabresa, por motivos de "vingança profissional" e por uma outra mulher com quem Melhem teria tido um relacionamento. A segunda é um personagem clássico, o da mulher que não aceita o fim e se vinga.
Ou seja, Melhem seria, na verdade, vítima de mulheres loucas e manipuladoras.
"Ela também falava!"
Ainda de acordo com a reportagem publicada na "Piauí", ele usa essa estratégia de colocar a culpa nas mulheres outras vezes.
Entre as denúncias contra Melhem, há relatos de uma atriz de que ele a chamava de "piranha", histórias de vezes em que ele falava para mulheres coisas como "você faz parte de minhas fantasias sexuais" ou "como você está gostosa com essa roupa" e por aí vai. Tudo em ambiente de trabalho, e ele sendo o chefe.
O que Melhem faz para se defender? Joga as acusações contra as mulheres. Segundo ele, elas entravam na "brincadeira". Elas "também falavam sacanagem" e a que ele chamava de piranha "vivia se autodesignando piranha."
Não estávamos lá para saber o que acontecia. Mas quem está sendo julgado, Melhem, é você, não as mulheres.
E, claro, existem contextos e jeitos de falar. Exemplo: se uma mulher falar brincando "hoje eu estou piranha", isso não é abrir espaço para um homem falar: "você é uma piranha". Nem para assediá-la.
Seria mais ético se Melhem pedisse desculpa a todas essas mulheres. Mas, pelo jeito, ele decidiu que mais vale usar a antiga estratégia de tentar jogar a culpa no colo das mulheres que o acusam.
Isso não é incomum, repito. O mesmo recurso é usado muito por pessoas tóxicas em relacionamentos abusivos. A ideia é deixar a vítima bem confusa. Até que ela pense: "será que foi assédio, acho que não, eu dei motivo".
Infelizmente, no Brasil, essa estratégia de defesa muitas vezes funciona. E é por isso que tantas mulheres hesitam em denunciar assédio. E dá para entendê-las: não deve ser fácil.
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