Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mansplaining bélico: por que homens acham que são especialistas em guerra?
"Não aguento mais esse mansplaining bélico." O desabafo foi feito por minha amiga Márcia Bechara, jornalista da "Rádio França Internacional", em Paris. Ela se referia a um fenômeno que está acontecendo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia: a maioria dos homens que conhecemos ou fazem parte de nossas redes sociais viraram especialistas no conflito. E diariamente tentam nos dar aulas (não solicitadas) sobre a guerra.
Todas as vezes que comentamos sobre a Rússia ou a Ucrânia no Twitter aparecem cem homens falando que estamos erradas e/ou nos explicando coisas que já sabemos. Alguns praticam uma das modalidades mais irritantes do mansplaining: nos falam em tom de aula coisas básicas e óbvias, como se a gente fosse burra ou não vivesse nesse mundo. "A Rússia é uma ameaça para a Europa", eles dizem, como se isso fosse uma grande sacada de especialista. E como se a gente não soubesse.
Um exemplo. Moro na Alemanha há quase sete anos. Leio os jornais aqui todo dia e sempre que comento ou noticio algo sobre a posição do país no conflito surgem vários homens querendo me ensinar —direto do Brasil— como é o país onde vivo.
Por que isso acontece? Deve ser porque quando crianças eles jogaram muito War e videogames de guerra. Ou talvez, como foram criados achando que poderiam conquistar o mundo, pensem que ter conhecimento de geopolítica está no DNA.
Talvez seja também porque os principais personagens da guerra: Putin, Biden, Zelensky, sejam homens, assim como a maioria dos "senhores da guerra" que já estudamos na escola. Ou seja, guerra é coisa de homem. As mulheres que fiquem em casa ouvindo pelo rádio! Não era assim nos filmes que vimos sobre a Segunda Guerra?
E as correspondentes de guerra?
O pensamento de que só homem entende de guerra e que o assunto "conflito internacional" pertence a eles é uma ilusão, claro. E as correspondentes de guerra, por exemplo, estão aí para provar.
Nesse ramo, sempre fomos minoria. No caso da guerra da Ucrânia, segundo os próprios jornalistas, o número de mulheres na cobertura aumentou.
Uma delas é a jornalista inglesa Clarissa Ward, que já cobriu vários conflitos e foi premiada em 2012 por sua cobertura dos ataques à Síria. Hoje, junto com outras colegas, ela reporta a Guerra na Ucrânia correndo risco de vida.
Em texto publicado na revista "Glamour", Clarissa, mãe de dois filhos, disse que "nós precisamos de mais mães cobrindo a guerra". Ela fala sobre um olhar diferente e mais humano que as mulheres podem ter do conflito.
No caso do Brasil, bem, continuamos atrás. O país só tem uma correspondente de guerra. E mesmo assim trabalhando para um veículo internacional: Anelise Borges, que trabalha para o canal Euronews e está baseada em Kiev. Em entrevista ao blog de Juliana Dal Piva, ela disse ser a única brasileira, mas ver muitas mulheres, especialmente fotógrafas, como a premiada Lynsey Addario, no front.
Ela disse também que não enfrenta machismo entre os colegas correspondentes. Ótimo, mas, do jeito que as coisas estão, é possível que na volta ela tenha que ouvir o mansplaining de vários homens que acompanharam o conflito sem sair do sofá. Dureza.
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