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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pró vida? Em áudio, militares relatam tortura que causou aborto em mulher

DOI-Codi em São Paulo - Rovena Rosa/Agência Brasil
DOI-Codi em São Paulo Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil

Colunista de Universa

19/04/2022 04h00Atualizada em 19/04/2022 11h25

"Ela foi forçada a abortar depois de choques elétricos no aparelho genital". Essa frase terrível diz respeito ao que aconteceu com Nádia Lúcia Nascimento durante a ditadura militar, quando estava presa no DOI-CODI. Ela estava grávida de três meses.

Os detalhes do que aconteceu com Nádia e outras mulheres grávidas nas prisões da ditadura militar foram divulgados no domingo (17) pela jornalista Miriam Leitão (que também foi torturada por militares quando estava grávida). A jornalista teve acesso a gravações de sessões do STM (Superior Tribunal Militar), que são estudadas pelo historiador da UFRJ Carlos Fico.

Os áudios inéditos mostram que os militares do alto comando sabiam o que acontecia e comprova, de novo, que mulheres foram torturadas grávidas e que algumas delas chegaram a abortar por causa das torturas.

Para lembrar. Mês passado, depois de falar que "tinha pena da cobra" que foi usada na tortura de Miriam, o deputado Eduardo Bolsonaro gravou vídeos dizendo que "não havia provas" de que ela tenha sido estuprada grávida.

A jornalista provou que sim, ela e muitas outras mulheres passaram por isso. A ponto de abortos terem sido causados por causa de choque nas partes íntimas.

Nadia não deve ter sido a única. Já que mulheres grávidas foram torturadas das formas mais cruéis. E, um detalhe importante, que também não podemos esquecer, esses militares e torturadores são os ídolos do governo Bolsonaro, aquele mesmo que se dizem radicalmente "pró vida" e contra o aborto. Mês passado, quando o aborto foi legalizado na Colômbia, Bolsonaro escreveu no Twitter:

"Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães até o 6° mês de gestação, sem a menor chance de defesa".

O grande ídolo de Bolsonaro, vamos lembrar, é Carlos Brilhante Ustra, comandante do DOI-CODI onde Nadia abortou e um dos torturadores mais cruéis da ditadura. Há seis anos, durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff (outra mulher que foi barbaramente torturada) ele dedicou seu voto ao torturador dizendo que ele teria sido "o terror de Dilma Roussef". Bolsonaro também já disse que o problema da ditadura era "torturar e não matar".

Que lógica é essa? Uma mulher não pode decidir por fazer um aborto legal que isso é considerado uma monstruosidade, mas pode ser torturada e sofrer um aborto causado por choques nas áreas íntimas?

A ex-ministra e provável candidata ao senado Damares Alves, aquela que tentou impedir que uma menina de dez anos que foi estuprada abortasse, não vai falar nada? Ela vai continuar ao lado de apoiadores de torturadores de mulheres grávidas? Não vai nem lamentar que tal horror tenha ocorrido?

Tudo indica que não. Os membros do governo Bolsonaro parecem não se importar com essas novas evidências de crimes bárbaros.

Ao ser questionado sobre as gravações, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, outro defensor dos valores da "família", riu. "Vai trazer os caras do túmulo de volta?"

Repito: ele achou graça da possibilidade de torturas contra mulheres grávidas serem investigadas e punidas. São essas as pessoas que dizem defender a vida.