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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tênis 'miséria chique' da Balenciaga é afronta a mundo mergulhado em crise

Paris Sneaker, da Balenciaga - Divulgação
Paris Sneaker, da Balenciaga Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

11/05/2022 14h46

O momento não é bom. O mundo todo enfrenta problemas econômicos decorrentes da pandemia. Milhares de pessoas perderam seus empregos e a fome aumentou em lugares como Brasil e África. Para completar, inventaram uma guerra. No momento, quase cinco milhões de refugiados já fugiram da Ucrânia para países da Europa. São pessoas que chegam carregando o que podem, às vezes só com a roupa do corpo. Além deles, existem os refugiados de outros países destruídos e miseráveis, que fogem de barco e arriscam suas vidas no mediterrâneo.

Não há nada de bonito nessa pobreza toda e nesse desespero. Assim como não é nada "cool" que pessoas não tenham nem roupa para vestir ou vivam nas ruas, sem assistência. Em um momento como esse, fica difícil para a indústria da moda, em geral tão desconectada da realidade e envolta em uma bolha de glamour, encontrar seu lugar. Pois bem, a Balenciaga, uma das grifes mais badaladas e caras do mundo, resolveu "chocar" (uma tática já tradicional da grife).

Como vocês já devem ter visto, eles lançaram um tênis destruído e sujo, como um item de desejo de moda, a ser vendido por 1.850 euros (cerca de R$ 10 mil reais) em edição super limitada. O tênis destruído terá apenas 100 cópias e é mais uma peça de campanha. Tênis menos destruídos também serão vendidos, por preços que variam entre 8 mil e 10 mil reais.

A Balenciaga criou a "miséria VIP", uma espécie de fantasia de desamparo. Ou seja, ricos poderão colecionar ou usar um sapato-fantasia de pessoas em situação de pobreza, um fetiche antigo na moda.

A história do tênis me fez lembrar de uma música hino dos anos 2000: "Common People" (pessoas comuns), da banda inglesa Pulp. Na música, o narrador conta a história de um encontro com uma milionária estudante de artes que queria "viver como uma pessoas comum e fazer o que as pessoas comuns fazem".

O narrador leva a moça a um supermercado e fala para ela: "imagine se você não tivesse dinheiro?" A moça não entende, claro. E ele conclui falando que as pessoas riam das coisas estúpidas que ela falava. "Você pensa que ser pobre é cool!, ele diz. Na música, como no caso do tênis da Balenciaga, as pessoas riem da cara da milionária.

Claro, o tênis da Balenciaga tem um conceito por trás e há quem ache que o estilista da marca, Demna Gvasalia, é um gênio (acredito, mas não é a minha especialidade). No caso do marketing, com certeza eles são geniais, já que a imagem do tal tênis circula mundo afora, junto com o nome da grife.

E sim, o tal tênis tem um conceito. Segundo o release da marca: "a campanha mostra tênis extremamente usados, marcados e sujos. Essas fotos sugerem que esses tênis foram feitos para serem usados a vida inteira".

Eles querem passar uma mensagem de sustentabilidade, contra o fast fashion, que vende peças a preços acessíveis para nós mortais, mas que não têm qualidade e muitas vezes são feitos por empregados que vivem em situação análoga à escravidão.

Quer dizer: eles, ricos, salvam o mundo, enquanto a gente continua a destruí-lo com nossos tênis de marcas baratas.

A campanha, no sentido de marketing, pode ser, mesmo, um sucesso. Mas não consigo parar de pensar na letra da música que diz: "você nunca vai entender o que é viver a vida sem sentido e sem controle e sem lugar para ir".

Não, a pobreza não é cool.