Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Liberdade de imprensa? Mulheres jornalistas vivem sob ofensas e ataques
Se uma garota me procurar nos dias de hoje perguntando se deve ou não cursar jornalismo, a primeira coisa que vou falar para ela é: "se você realmente gosta de notícia, sim!". A segunda será: "não leia comentários, você será ofendida, xingada. Você acha que consegue lidar com isso?"
Parece uma operação de guerra, não? Mas é assim a vida cotidiana de uma jornalista em 2022, ainda mais se você se destacar e tiver uma voz. Mulheres que pensam, falam e publicam são odiadas. Cada vez mais.
Hoje, Dia Nacional pela Liberdade de Imprensa, conto para vocês: nossa vida como jornalistas parece boa (e é porque fazemos o que amamos), mas para realizarmos nosso trabalho diário temos que estar prontas para receber ofensas como se fosse rotina, críticas a nossa aparência, tentar escapar de vídeos com montagens com a nossa imagem e, claro, bloquear quem nos manda mensagens de ódio, aquelas que nos xingam e nos chamam, por exemplo de '"feministas sujas".
Hoje mesmo, assim que acordei e abri o Instagram vi a seguinte mensagem, publicada por uma mulher, abaixo de um comentário que fiz em um post de uma amiga atriz e famosa: "Nina Lemos com Instagram trancado até a tampa! Viva a liberdade de expressão! Viva o jornalismo kkkkkkkk".
Todos os "kkkkkkk" da moça riem do fato de eu ter que manter minhas redes sociais fechadas para comentários de estranhos para evitar ataques. De outra forma, não teria nem sanidade mental nem conseguiria realizar meu trabalho com liberdade.
Porque é assim que funciona: a cada "feminista imunda" a gente tem menos vontade de escrever sobre assuntos potencialmente polêmicos (eles podem variar entre o julgamento do Johnny Depp até declarações do presidente da República).
O que não é isso senão uma forma de censura interna? Se temos medo de escrever sobre um tema, não temos liberdade para escrever, certo?
E é por isso que, para manter minha liberdade, fecho todos os comentários. E tento ignorar que quando dou um Google com o meu nome uma das sugestões de procura é "Nina Lemos memes". Nunca vi o que é e jamais verei.
Não estou falando, de maneira alguma, que sou a única jornalista a lidar com esse tipo de ataque. Isso é, repito, rotina. E é um tópico que vai e volta no grupo de WhatsApp de colunistas e editores da Universa.
E existem, claro, aquelas que sofrem ameaças de vida diretas, que precisam contar com esquemas de segurança por causa disso, caso de Patrícia Campos Mello, por exemplo, repórter da Folha de S. Paulo, perseguida e ameaçada por bolsonaristas desde que revelou o esquema de "fake news" da eleição presidencial de 2018.
O próprio presidente da república fez "piada" machista com Patrícia e disse que "ela queria dar o furo". Ele foi processado por ela e teve que indenizá-la.
Repórteres serem ofendidas e ridicularizadas pelo presidente no "cercadinho" onde ele dá entrevistas em Brasília também já virou parte da rotina.
A agressão e o machismo contra mulheres jornalistas é um problema real e agudo. Segundo pesquisa feita pelas organizações Gênero e Número e Repórteres Sem Fronteiras, 42% das mulheres jornalistas já foram vítimas de violência online por causa do exercício da profissão e 85% delas se viram obrigadas a mudar o comportamento nas redes sociais para se proteger dos ataques.
E, quando fazemos isso, nos protegemos contra a violência, ainda ouvimos o que escutei essa manhã: "Viva a liberdade de expressão kkkkkkk". Vamos lembrar de novo, liberdade de expressão não é liberdade de ataque ou agressão online. Pelo contrário. Mas não vão nos calar.
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