Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Menina de 11 anos grávida após estupro não seria torturada se fosse rica
"Que horror! Podia ter sido a minha filha, que com essa idade só brinca." Depois de ler sobre o terrível caso da menina de 11 anos de Santa Catarina que engravidou depois de um estupro e teve o direito a um aborto seguro negado e foi torturada psicologicamente por uma juíza, todas pensamos em nossas crianças. Imagina se isso acontece com minha filha, afilhada, sobrinha? Pensa que horror!
Se você é uma pessoa branca de classe média, um lembrete: isso não aconteceria com sua filha ou alguma criança da sua família. Ou você consegue imaginar uma criança de uma escola particular passando por tudo isso e ainda sendo tirada da mãe?
Porque sim, teve esse requinte de crueldade. A menina, depois de ter o direito a aborto negado pela justiça de Santa Catarina (sendo que aborto em caso de estupro é garantido por lei), foi afastada da mãe e levada para um abrigo, por decisão da juíza Joana Ribeiro Zimmer, para, segundo ela, "evitar o risco de realização de algum procedimento para operar a morte do bebê".
Você acha que algo assim aconteceria com uma criança privilegiada, filha de uma família de elite com acesso a médicos privados e com dinheiro? Uma mãe rica teria sua filha tirada de sua casa e levada para um abrigo? Jamais.
A criança de classe média teria direito rapidamente a um aborto, feito por um médico conhecido da família ou mesmo em uma clínica ilegal. E também apoio psicológico, como toda criança nessa situação deveria ter.
"Adultização" de crianças pobres
A crueldade contra crianças no Brasil mira principalmente as negras e pobres que, aos olhos de muitas mulheres ricas e brancas, nem são "crianças" direito. Essas são logo transformadas em adultas que podem trabalhar, andar de elevador sozinhas, ter um filho?
Um dos maiores escândalos do caso, o que dá mais enjoo, é a hora em que a juíza Joana tortura a criança com palavras durante uma audiência. As coisas que ela diz para a menina seriam cruéis se fossem ditas para qualquer mulher adulta que foi estuprada. Imagina falar para uma criança de 11 anos coisas como:
"Você suportaria ficar mais um pouquinho? A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente".
"Em vez de deixar ele morrer - porque já é um bebê, já é uma criança -, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece", disse a juíza à menina.
Além de ser cruel, antiprofissional e mentiroso (não é assim que os abortos seguros são feitos), Joana parece, de fato, esquecer que a vítima é uma criança.
Após ler sobre o caso, além de lembrar de uma menina de 10 anos do Espírito Santo, de família pobre, que em 2020 também engravidou após um estupro e foi pressionada até pela então ministra Damares Alves a não fazer um aborto, lembrei também do caso do menino Miguel, que morreu depois de ser colocado em um elevador sozinho, aos 4 anos, por Sari Cortes Real, então patroa da mãe de Miguel, Mirtes Renata.
Essas mulheres têm em comum o fato de não olharem para crianças pobres como olham para os seus filhos. Elas tratam crianças negras e pobres como miniadultos, sem os direitos básicos que todos devem ter na infância.
Uma prova disso é quando a juíza tenta convencer a menina e sua mãe a manterem a gravidez e darem a criança para adoção. Como se a garota, que, repito, tinha 11 anos, fosse uma incubadora. Ela parece ter achado uma "função" para menina, gerar um filho para um casal remediado.
Nada disso teria acontecido com uma menina rica.
É nojento.
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