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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

No Brasil, mulheres têm que temer serem estupradas até em salas de cirurgia

Enfermeiras desconfiaram de quantidade de sedativos usada pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra - Reprodução
Enfermeiras desconfiaram de quantidade de sedativos usada pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

11/07/2022 11h06

É difícil imaginar uma situação mais chocante do que essa. Um médico anestesista, que trabalhava em uma maternidade, foi preso depois de ser filmado forçando uma paciente dopada por ele a fazer sexo oral nele durante uma cesariana, no centro cirúrgico. O nome do médico anestesista criminoso é Giovanni Quintella Bezerra e ele foi preso em flagrante no hospital onde trabalhava, o Hospital da Mulher, em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.

Bezerra foi preso depois que outros funcionários o filmaram em ação. O vídeo está disponível nas redes sociais e é nojento, não veja. Essa foi uma prova importante para que ele fosse preso em flagrante.

Segundo a delegada do caso, seus colegas já tinham notado uma "movimentações estranhas" do médico durante cirurgias e, nesse caso, posicionaram uma câmera para ter uma prova. Eles também desconfiavam do médico por causa da quantidade de drogas que ele dava para as mulheres. Ou seja, várias mulheres devem ter sido vítimas de Bezerra.

É inaceitável de todas as maneiras que uma mulher seja submetida à violência sexual durante um parto, um momento de extrema vulnerabilidade. É incabível que esse crime tenha sido praticado por um médico, a autoridade em quem as mulheres deveriam confiar.

E agora? Mulheres terão que temer serem estupradas inclusive em salas de cirurgia? E como Bezerra teve coragem de cometer um abuso desses na frente de toda uma equipe?

A gente podia dizer (e acreditar) que ele é um doente, um exemplo isolado de monstruosidade. Seria mais fácil. Mas não é o caso. O Brasil é um país onde o abuso é comum, é banalizado. Segundo o Fórum Brasileiro de Violência Pública, em 2021, uma mulher foi estuprada no Brasil a cada dez minutos.

E também um país onde muitos abusadores ficam impunes.

O milionário Saul Klein, por exemplo, que foi denunciado por várias testemunhas em reportagem publicada aqui em Universa, continua solto. Em casa, mesmo depois de várias mulheres terem relatado que foram estupradas por ele quando eram crianças.

A impunidade faz com que abusadores como Bezerra se sintam livres para praticar seus crimes horrendos com a certeza de que nunca serão punidos.

No caso do anestesista, ele teve a audácia de executar o crime na frente de outros colegas.

O que mais um sujeito assim pode ter feito em um "Hospital da Mulher", especializado em partos e ginecologistas. Quantos profissionais fecharam os olhos e foram cúmplices?

Também parece difícil que um sujeito capaz de estuprar uma grávida durante um parto não tenha demonstrado na faculdade ou nos anos de residência que ele "tinha problemas". Não acredito que um homem decida fazer esse abuso "do nada", sem nunca ter feito algo antes.

Enquanto escrevo, vejo muitas mulheres no Brasil falando que não se sentem seguras em lugar algum e não tem um minuto de paz. É verdade. Mas para que a gente tenha chegado nesse fundo do poço é porque houve conivência, banalização dos crimes contra a mulher e a ideia de que não somos donas de nossos corpos, que podem ser simplesmente usados.

Todos os homens e mulheres que fecharam os olhos aos abusos do médico são seus cúmplices. É preciso agir. Denunciar e impedir que os estupradores ajam.

Que bom que os colegas do médico abusador o denunciaram. Que mais pessoas tenham essa coragem.