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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Seguir e dar voz a Guilherme de Pádua é desrespeitar vítimas de feminicídio

Daniela Perez, assassinada por Guilherme de Pádua, com Raul Gazolla - Reprodução/Divulgação
Daniela Perez, assassinada por Guilherme de Pádua, com Raul Gazolla Imagem: Reprodução/Divulgação

Colunista de Universa

26/07/2022 10h51

Eu era muito jovem quando Daniella Perez, também jovem demais, morreu assassinada cruelmente por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniella era linda, talentosa. E a novela que estrelava, junto com o seu assassino, uma das coisas mais importantes do país na época, já que não existia internet, Netflix ou rede social.

Lembro de ver na TV as imagens da polícia e de sua mãe, a autora Gloria Perez, perto de seu corpo, do horror daquilo. Podia ser uma de nós. Esse foi o feminicídio mais marcante de minha geração.

O caso voltou a ser fortemente comentado com a estreia, na HBO Max, de "Pacto Brutal", uma série documental sobre o caso que se debruçou sobre o processo e entrevistou longamente figuras centrais da tragédia, como Gloria.

É importante mesmo que se fale desse crime tão cruel. E é fundamental que a luta de Gloria Perez seja reconhecida.

E Daniella, claro, precisa ser lembrada como a garota linda, talentosa e cheia de vida que era. É revoltante que sua vida tenha sido interrompida tão cedo, aos 22 anos (!), de maneira tão cruel. Precisamos manter sua memória viva. É o mínimo. E, claro, temos de rechaçar os assassinos, Guilherme de Pádua e Paula Thomaz.

Só que o ser humano é esquisito. E, como acontece em muitos casos atualmente, quem acaba ganhando os holofotes é o assassino.

Desde que a série estreou, dia 21, Guilherme ganhou mais de 15 mil seguidores. Ele também fez um vídeo em seu canal no YouTube (ele tem um, e ele é pastor, o que diz muito sobre o país) reclamando que a série não tinha ouvido o seu lado. E sua reclamação teve destaque na imprensa. Pádua ainda ameaçou dar a sua versão de alguns fatos.

Como se atreve? Ele é um assassino que foi condenado.

Daqui a pouco, Pádua estará fazendo "publis", assim como o goleiro Bruno, assassino de Eliza Samudio, que coleciona fãs, que não só deixam mensagens carinhosas em seu perfil, como tiram selfie com ele sempre que o encontram.

É assustador pensar que o mesmo possa acontecer com Guilherme de Pádua. Um assassino de uma mulher não é "alguém curioso", ou um "personagem". Ele é um assassino de uma mulher, uma pessoa que merece, depois de ser punido no rigor da lei, todo o desprezo da sociedade.

Sabemos que muitos dos que seguem Pádua o fazem por curiosidade mórbida, ou pelo menos esperamos que seja só por isso, e não por admiração a um assassino. Essas pessoas deviam lembrar que seguidores podem significar dinheiro. Sério que em um país onde uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, você quer dar fama e dinheiro para um assassino de mulheres?

A cada vez que o goleiro Bruno tira uma selfie ou recebe uma manifestação de "solidariedade", ou que Pádua ganha um seguidor e, quem sabe, um fã, essas vítimas são desrespeitadas. Assim como todos os familiares e amigos que elas deixaram. Já pensou ver o assassino da sua filha, irmã ou amiga ganhando milhares de seguidores nas redes sociais? É muito triste isso.