Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Chorei abraçada nas roupas da Daniella', diz diretora de "Pacto Brutal"
No dia 28 de dezembro de 1992, a documentarista Tatiana Issa, então com 18 anos, almoçou com seu colega de novela Raul Gazolla no Projac, onde os dois gravavam a novela "Deus nos Acuda". Era um dia normal. Mas, naquela mesma noite, a mulher de Gazolla, a atriz Daniella Perez, seria assassinada por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. O crime chocou todo o país. Imagina como isso foi para quem era próximo de Dani?
Tatiana viu essa dor de perto. Duas de suas melhores amigas entraram a partir daquela noite em sofrimento profundo. Uma delas, Bárbara Ferrante, prima de Dani, foi com a família até o local do crime, onde caiu no chão ao ver a prima morta. A melhor amiga de Tati na época, a produtora Marcela Honigman, passou a noite tentando localizar a atriz. Por ser tão próxima do círculo de Daniella, Tatiana foi ao enterro da atriz no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.
Quase trinta anos depois. Tatiana, 48 anos, é uma documentarista premiada, mora em Nova York e é uma das diretoras (junto com Guto Barra) do documentário "Pacto Brutal", que reconta a história do crime, quebra recorde de audiências e é sucesso de crítica na HBO Max. Na série, de cinco episódios, o assassinato é contado por quem sentiu essa dor: Glória Perez, amigos, familiares. Além disso, os julgamentos são mostrados, assim como os absurdos praticados contra Daniella pela mídia. Por anos muitos noticiaram que ela teria tido um caso com Guilherme, então seu colega de novela. Absurdo.
Tatiana decidiu contar a história depois de sonhar com Daniella e mandar um email para Glória Perez, que disse adorar o seu trabalho e autorizou a produção. Um dos motivos para Glória dar o "sim" foi o filme "Dzi Croquettes", lançado por Tatiana em 2009, onde a cineasta conta a trajetória do grupo mais moderno dos anos 70 sob uma perspectiva íntima. Seu pai, o cinegrafista Américo Issa, era da turma dos Dzi.
Hoje, ela é sócia, junto com o jornalista e diretor Guto Barra, da produtora "Production Partners". Com o trabalho da produtora, ela e Guto já ganharam um Emmy e foram indicados para dois.
Em conversa com a coluna, Tatiana contou bastidores da série e explicou por que, para ela, o documentário é uma história sobre "a força das mulheres".
UNIVERSA Você foi atriz nos anos 90. Conhecia a Daniella?
TATIANA ISSA Sim. Eu estava trabalhando com o Raul [Gazolla] quando o crime aconteceu. A gente gravou na Globo nesse dia. Almoçamos juntos e ele saiu. Aí mais tarde começou aquela loucura, de procurar por ela, não achar [o primeiro episódio da série mostra essa busca, já que Daniella saiu das gravações nos estúdios da Globo e não chegou ao local de ensaio de sua nova peça]. E eu era muito amiga de duas pessoas que estão na série também, a Marcela, que produzia a peça dela, era minha melhor amiga, aquela coisa de adolescente, de se falar todos os dias. Também era amiga da prima da Daniella, a Bárbara. Eu não era próxima da Dani. Nunca chegamos a conversar muito, a ficar amigas. Mas era tudo muito em família. Eles estavam sempre falando dela. A Dani, apesar de não estar próxima a mim, fazia parte da minha vida.
Você acompanhou o desespero dos amigos em busca dela e diante da notícia de que ela tinha sido assassinada?
Claro, da Marcela sobretudo. Dela telefonar, falar "encontrou", "não encontrou". Tanto que eu fui ao velório. Era aquela época de telefone fixo. De falar: "onde está todo mundo?" "Na delegacia, não, agora vai para o velório."
Tem uma parte que cortamos da série. Mas, quando pergunto para a Bárbara: "Qual é a primeira coisa que você lembra do velório?" Ela responde: "o abraço que você me deu."
Olha que loucura. Que coincidência da vida.
Por que, tantos anos depois, você resolveu contar essa história?
Eu sempre pensei nessa história. Sempre comentei com o Guto (Barra, sócio de Tatiana), que esse era um documentário que eu gostaria de fazer, que era uma história muito absurda. Mas sempre achávamos que alguém já estaria fazendo.
Uma noite sonhei com a Dani e resolvi falar com a Glória, mesmo achando que alguém já devia estar fazendo ou que já tivesse um documentário pronto para os 30 anos da morte dela. Mandei um email meia-noite e meia e disse: "Glória, você está fazendo algo, existe a ideia de fazer? Ou não quer fazer porque o assunto é muito delicado? Se for isso respeitarei, mas se você quiser estou disposta."
Na mesma hora ela respondeu que era fã dos "Dzi Croquettes" [longa dirigido por Tatiana], que admirava a delicadeza do meu trabalho e que, também por eu conhecer a Dani, era a pessoa perfeita para fazer o documentário.
Vocês também tiveram acesso a muitas imagens dela morta e outros materiais sensíveis. Como foi lidar com a dor e a emoção no set?
Era muita dor, muita emoção. O depoimento da Glória demorou 20 horas. Cada hora um chorava, o técnico de som, o câmera. A gente parava, tomava um café e voltava.
A Glória nos deu todo o arquivo dela. Colocou tudo à disposição. Tinha gravação, foto da perícia, foto da infância.
Entramos em um mergulho profundo no mundo da Daniela. É muito dolorido, porque vimos a Dani bebê, criança, adolescente e depois as fotos da perícia, do corpo dela.
E vimos muita coisa pior, fotos terríveis, cruéis que decidimos não colocar no documentário. Foi muito duro mesmo.
Qual foi o momento mais difícil para você?
A cena em que a Bárbara, prima da Dani, abre a sacola com a roupa que ela usava no dia do assassinado. A perícia deu isso para a Glória e ficou 30 anos guardado. Nunca tinha sido aberto.
E para gravar as imagens mais perto, tive que pegar as roupas. Quando abri aquela sacola, vi que o tênis ainda tem areia, porque ela foi arrastada, ainda tem sangue na calça, tem o cheiro, a terra. Aquilo é uma materialização tátil da morte. Eu parei tudo e chorei 45 minutos. Abracei as roupas como se fosse a Dani.
É muito louco você pegar tudo aquilo na mão. É como se você tivesse voltado 30 anos atrás. Você vê aquela blusinha de menina, aquele cinto. Saber que tinha uma vida ali é desesperador.
Você publicou uma foto no Instagram, de um abraço seu com a Glória, onde parece que ela está te acolhendo.
Pois é. A Glória é uma mulher tão forte que ela é forte até para isso. Quando ela me autorizou a fazer a série, eu disse para ela que íamos dar a mão uma para a outra, que iríamos juntas.
No momento dessa foto, era o fim da jornada. O depoimento dela durou 20 horas, foram três dias. E cada hora um caía em prantos. Tudo era muito doloroso.
Toda hora do set tinha alguém chorando, fosse a maquiadora, eu, o Guto. Aquele abraço é do fim. É muito bonito, pois mostra como nós nos acolhemos.
A série mostra muito a força da Glória. Como você vê o papel das mulheres na série?
Eu acho que a série, mais do que ser sobre um crime, é sobre a força das mulheres. Foram as mulheres que conseguiram fazer a história caminhar.
É a mãe que vai atrás da verdade, é a Elba Boechat, uma jornalista, que vai atrás e publica uma reportagem, são as Mães de Acari, a escrivã Suely Gusso, que peitou o delegado do caso, a Jocélia Brandão [mãe de da menina Miriam, também assassinada em 92, que lutou junto com Glória]. E quem resolve trazer essa história a tona sou eu, uma mulher.
Você vê a força feminina do início ao fim dessa história, são os homens tentando deixar "para lá", não se comprometer e as mulheres falando "não, não, temos que resolver!".
A série é um grande sucesso. O que te deixa mais contente com isso?
Estou muito feliz com o reconhecimento que a Glória está recebendo. Que mulher, que mãe, a força que ela tem, de continuar, de continuar escrevendo, lutando. Ver isso é muito forte.
É muito bonito ver o carinho com que as pessoas estão tratando a Glória. Estão vendo que essa mulher não é só uma autora de novela, que ela é uma mãe incrível. Acho que essa série, mais que sobre um assassinato, é sobre a luta de uma mãe.
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