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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Psicóloga do SUS: 'Todo dia atendo vítima de quem acha que pintou um clima'

A psicóloga e psicanalista Natália Rodrigues tem um perfil com o nome "psicóloga do postinho" no Twitter - Acervo pessoal
A psicóloga e psicanalista Natália Rodrigues tem um perfil com o nome "psicóloga do postinho" no Twitter Imagem: Acervo pessoal

Colunista de Universa

17/10/2022 16h56

"Todos os dias no SUS eu atendo meninas e mulheres com traumas e sofrimentos psíquicos graves porque 'pintou um clima' na cabeça de um velho quando elas eram crianças." Esse foi o post/desabafo feito, no fim de semana, pela psicóloga e psicanalista Natália Rodrigues no Twitter, onde tem um perfil com o nome "Psicóloga do postinho".

Natália, que trabalha há três anos no SUS na região de Belo Horizonte, em Minas Gerais, atendendo principalmente mulheres da periferia em situação de vulnerabilidade, referia-se à frase do presidente Jair Bolsonaro que causou revolta no fim de semana. Para quem não lembra: ao narrar um encontro que teve com crianças e adolescentes venezuelanas, o presidente afirmou que havia "pintado um clima" entre ele e meninas de 14, 15 anos.

Segundo Natália, esse tipo de frase é muito grave, porque pode ser vista como "um discurso de autorização". "É como se ele desse uma permissão simbólica para que homens praticassem abusos com adolescentes", afirma.

Abusos diários

Natália, que é especialista em casos sérios relativos a saúde mental, afirma ter contato com mulheres vítimas de abuso diariamente, já que muitas das pacientes que chegam a ela por apresentarem distúrbios graves já foram abusadas.

"Praticamente todas as mulheres que vivem casos muito sérios, como tentativa de suicídio e automutilação, contam histórias de abuso e pedofilia. Esses são crimes que fazem parte do histórico dessas mulheres e que podem causar distúrbios graves, que podem literalmente colocar em risco a vida dessas mulheres."

Apesar de a pedofilia atingir todas as classes sociais, ela conta que, empiricamente, ela e colegas notam que a situação é mais grave entre mulheres pobres e negras. "São mulheres colocadas em situação de risco, que vão, por exemplo, trabalhar em casa de família com oito, nove anos. Algumas mulheres que atendo já são mais velhas, têm seus 50, 60 anos, mas nunca se curaram desses traumas."

E quem são os homens que praticam tais abusos? "Muitas vezes são aqueles homens que você nunca imaginaria que fariam uma coisa assim, um idoso boa-praça, como um avô, um tio, um empregador ou pastor", enumera.

As mulheres em situação de vulnerabilidade (como as refugiadas venezuelanas citadas por Bolsonaro) são superexpostas a violências. E também são tratadas como adultas desde crianças. "Os relatos que ouvimos dessas meninas são de extrema violência. É como se houvesse um abuso institucionalizado contra elas."

Natália, assim como muitas outras mulheres, diz ter passado o fim de semana enojada depois de ouvir o relato do presidente.

Ele nega

Bolsonaro nega que tenha dito que tinha "pintado um clima" em um contexto sexual ou de paquera. Segundo ele e seus aliados, ele usa essa expressão constantemente, para se referir a praticamente qualquer coisa. Como, por exemplo, "pintou um clima de almoçar". Gostaríamos muito de conseguir acreditar nisso, mas...