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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vítima de abuso infantil, Xuxa tem razão em se revoltar com Bolsonaro

Colunista de Universa

20/10/2022 11h25

Na noite de quarta-feira (19), a apresentadora Xuxa, que já sofreu abuso na infância, gravou um vídeo com os olhos cheios de lágrimas narrando os abusos que sofreu e pedindo que as pessoas levassem a sério o que foi dito pelo presidente e não votassem nele.

Xuxa, claro, recebeu muitas mensagens negativas. Uma delas me chamou a atenção. Nela, uma mulher fala: "Muitas (meninas) fazem porque gostam. Tem que saber dividir as meninas bonitinhas que fazem isso porque são exploradas, as que fazem isso porque gostam. E nem adianta vir com mimimi porque isso é real". Xuxa reagiu indignada. É chocante mesmo ver que até mulheres relativizam o horror que é o abuso na infância. Será que nunca passaram por isso? Não conhecem uma amiga que tenha passado?

Dá para entender o desespero da Xuxa. É realmente de chorar.

Talvez seja uma espécie de síndrome de Estocolmo. E, também por isso, o número de votos do presidente Bolsonaro entre as mulheres não chegou a subir, como no caso dos homens, mas ficou estacionado.

Bolsonaro lidera entre homens depois de "pintou um clima". Como pode?

Quase todo mundo já deve ter visto o vídeo que circula desde o fim de semana na internet. Nele, o presidente Jair Bolsonaro fala de um encontro que teve com refugiadas venezuelanas. Em entrevista a um podcast, ele disse:

"Parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas... Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. 'Posso entrar na sua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas."

Depois desse vídeo causar escândalo, surgiram outros onde o presidente repete a mesma história.

Enquanto muitas mulheres se revoltaram Brasil afora e relembravam assédios que sofreram quando crianças (quase toda mulher brasileira já passou por isso), a campanha do presidente montou uma operação de crise, com direito a visita de Bolsonaro, ao lado de Damares e Michelle, às meninas) e um vídeo onde o presidente explica, basicamente, que ao falar que pintou um clima, não quis dizer que... pintou um clima. Essa interpretação seria culpa nossa, que não entendeu. Oi?

Mas talvez ele nem precisasse ter se dado a esse trabalho. O resultado da pesquisa Datafolha publicado hoje (20/10) mostra um dado curioso: pela primeira vez, segundo a pesquisa, Bolsonaro lidera no segundo turno entre os homens.

De acordo com o levantamento, Bolsonaro. O atual presidente passou de 46% para 49%. Ao mesmo tempo, Lula perdeu um ponto. Ou seja, após falar que "pintou um clima" em um encontro com crianças refugiadas, Bolsonaro ganhou três pontos percentuais entre os homens.

Claro, a subida não se deve a isso, ou não exclusivamente. Mas uma coisa os números mostram com clareza: o fato do presidente usar a expressão "pintou um clima" ao falar de adolescentes de 14 anos, não abalou em nada sua popularidade, principalmente entre os eleitores masculinos. Muito pelo contrário. E muito menos o fato de ele ter achado que as meninas eram "prostitutas" (porque? meninas pobres não podem se arrumar?) e não ter feito nada a respeito.

Para esses eleitores, ao que tudo indica, um senhor de 67 anos falar que pintou um clima entre ele e umas garotas de 14 anos não é nada demais. Será que eles falam isso porque também acham que viveram situações onde "pintou um clima" com menores de idade? Ou será que eles acham que o presidente foi mal interpretado?

Sinceramente, acredito que a maioria deles simplesmente não liga para isso. Acho que o fato não fez a menor diferença para eles, o que é desolador.

Acredito que isso aconteça em parte, porque o Brasil é um país extremamente machista — e um machismo que, muitas vezes, encontra a pedofilia.