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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro não é 'moleque' e democracia não é brinquedo

Colunista de Universa

01/11/2022 14h57

A regra é clara e faz parte dos rituais democráticos. Quando um candidato perde as eleições, ele precisa fazer duas coisas simples: admitir a derrota para a população e congratular o adversário. Sempre foi assim. Nunca na história do Brasil um candidato deixou de cumprir esse ritual depois de perder as eleições.

Até chegar Jair Bolsonaro. Como todos sabem, ele está há dois dias sem admitir a derrota, em completo silêncio. O mundo todo (e isso não é exagero, já que seu silêncio é noticiado pela imprensa internacional) olha para o país com preocupação. Nas ruas, seguidores do presidente bloqueiam avenidas e estradas. Esse é um ato antidemocrático seríssimo.

Mas a atitude de Bolsonaro, segundo informou a colunista Mônica Bergamo, da "Folha de S.Paulo'', foi considerada por um ministro do STF uma "molecagem". "Estamos lidando com um moleque", teria dito o ministro.

Não, não estamos lidando com um moleque. Moleque é quem toca a campainha e sai correndo. Quem não admite uma derrota presidencial é um adulto irresponsável, inconsequente e antidemocrata.

Não é de hoje que alertamos para o fato de que homens adultos, quando cometem absurdos, são infantilizados e tratados como "moleques bobos". Agora, isso atinge um outro patamar. Falar que um presidente que se nega a cumprir os ritos de uma democracia, do país para o qual ele foi eleito é "moleque" é absurdo demais.

Jair Bolsonaro é um homem de 67 anos, presidente da República, o cargo mais alto da nação. Não há molecagem alguma em seu silêncio, que compactua e dá força para o caos. Pode ser que esse silêncio seja criminoso, mas isso quem vai decidir é a justiça.

E se fosse uma mulher?

É curioso também, em meio a esse caos, imaginar o que aconteceria se uma presidente mulher tivesse a mesma atitude. Dilma Rousseff, quando sofreu impeachment, mesmo se considerando vítima de um golpe, saiu do Planalto, falou com a imprensa, cumpriu todos os ritos.

Imaginem se Dilma, ou outra mulher que fosse eleita e perdesse para o segundo turno simplesmente decidisse ficar em silêncio, enquanto o país quase pegava fogo?

Ela seria chamada de histérica, de mimada, e de sem condições para exercer o cargo. Tenho certeza que alguém falaria que "era por isso que uma mulher não podia chefiar uma nação". A própria Dilma foi chamada de louca, de furiosa e de desequilibrada, sendo que ela não gritava com jornalistas e jamais faria algo tipo não aceitar resultado de eleições.

Em uma hora crucial para a democracia brasileira, o presidente Jair Bolsonaro, que se acha tão "macho", simplesmente foge. E ainda é tratado como um "menino fazendo molecagem".

Não é. Repito: ele é um adulto de mais de 60 anos, pai e avô. Não um "moleque inconsequente". Presidente não é garoto que faz malcriação. E democracia não é brinquedo.