Topo

Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Tabu até pra esquerda no Brasil, aborto é tema central de eleição nos EUA

GETTY IMAGES
Imagem: GETTY IMAGES

Colunista de Universa

10/11/2022 04h00

"Para boa parte dos eleitores, o assunto aborto foi fundamental na escolha do voto." Seria bom se essa notícia fosse sobre as recentes eleições brasileiras. Mas não. Trata-se das eleições de "meio do mandato" nos EUA, quando parte do parlamento é escolhida.

Nessa eleição, considerada importantíssima, o aborto foi um dos temas principais não só pela importância que os eleitores dão ao assunto, mas também por parte de políticos poderosos, como, inclusive, o presidente do país, Joe Biden, que, junto ao partido Democrata, investiu pesado na campanha pela legalização.

O direito ao aborto seguro virou tema central nos Estados Unidos depois que a Suprema Corte do País derrubou a emenda que tornava o aborto legal em todo o país (alguns estados mantiveram o direito, outros não).

Com esse assunto sendo tão importante para eles, alguns estados aproveitaram para fazer plebiscitos que ampliaram e garantiram o direito ao aborto legal em estados como Vermont, Michigan e na Califórnia. Ao mesmo tempo, no conservador estado do Kentucky, o povo escolheu banir uma emenda que proibia totalmente o aborto no estado. Vitória para o movimento feminista e todos que acreditam no direito de escolha da mulher.

É impossível ler uma notícia dessas e não lembrar do Brasil, onde acabamos de ter eleições e pouco se falou de aborto. Ou quase nada.

No Brasil, um assunto que é discutido em todo o mundo e que vira direito na maioria dos países da América Latina (Argentina e Chile, por exemplo, legalizaram o aborto recentemente) ainda é um grande tabu.

Em um momento em que o país teve uma grande virada para a extrema-direita, focada principalmente nas chamadas "pautas de costumes" (o que pode ser simplificado em falar que "aborto é um crime hediondo", que "educação sexual não pode ser ensinada na escola", por exemplo), nessa eleição, até os partidos de esquerda fugiram de temas "polêmicos" como o aborto.

Quem se ferra com isso de novo? As mulheres, principalmente as mais pobres, já que as de classe média sabem muito bem onde fazer um aborto ilegal no país e têm como pagar.

Nosso buraco é tão fundo que, em nosso país, atualmente o aborto é considerado praticamente um assunto de "extrema-esquerda". E, atenção, Joe Biden, por exemplo, nem é de esquerda. Ele é um centrista democrata.

Antes da campanha presidencial oficial, o então candidato Lula chegou a dizer que era a favor da legalização porque achava que a decisão era da mulher e foi duramente criticado, até por pessoas que se dizem progressistas, que viram na fala do presidente um erro "porque poderia ajudar a extrema-direita a ganhar". No fim, Bolsonaro perdeu, mas, sim, os valores de extrema-direita ganharam, já que o assunto pouco foi discutido na corrida presidencial.

Resultado: não conheço nenhuma mulher que tenha esperança de que o aborto seja finalmente legalizado no Brasil no novo governo. Isso é deprimente. Inclusive porque, na maioria dos países do chamado "mundo civilizado", o aborto seguro é um direito antigo e garantido. Mas como aprovar o aborto com Damares Alves no Senado e com até os progressistas falando que falar sobre aborto é "perigoso"? Difícil.